DA IMPRATICÁVEL TRANQUILIDADE
Situações aterradoras ocorreram no mundo, ao longo de séculos, e constituem mera referência, Cronos avaro de acontecimentos, talvez por entender que a memória deveria privilegiar o sublime, não lutas fratricidas, a aniquilação do semelhante. No nosso tempo, ainda que não demasiado longínqua, a luta tem sido contra o evidentemente semelhante. Em prática tecnológica avançada, ainda que absurda, a «guerra dos mundos» tem encantado gerações, por acreditarmo-la impossível, mero exercício da imaginação, sabido que o centro do belo e do sublime é o planeta Terra, albergando a vida a transmudar-se, desde os primórdios; atentos à tecnologia bélica avançada, temida por mortífera, eis-nos à mercê do infinitamente pequeno: «À barca, à barca, boa gente, /que queremos dar à vela / Entrai nela! Entrai nela! Muitos e de boa mente/ Oh/ Que barca tão valente!»
Logo, pela experiência antiga, conviveremos relativamente bem com o estado das coisas, embora agora não tenhamos a ameaça de guerras latentes, nunca abertamente declaradas, pois o intento não seria conquistar as terras do inimigo mas apenas causar-lhe o maior dano possível; nós, portugueses, sempre acometidos, intranquilos… Essa experiência de séculos a contribuir para uma experiência de isolamento (há quinhentos anos, nas praças portuguesas em África) pelo que tenderemos para um certo alheamento interior, no confronto de situações bizarras, como que habituados aos cavaleiros do apocalipse económico, microbiológico ou ambos: sempre tivemos de resguardar-nos do inimigo, como estratégia de sobrevivência, todavia inimigo à nossa imagem e semelhança, não um inimigo invisível que «apenas» se faz sentir para arrastar-nos para a morte.
Acontece, por agora, uma espécie de cruzada simbólica: de um lado os missionários do bem, todos os que incorporam os serviços de saúde, abnegados, tentando salvar vidas, tenazes, quantas delas transportando o casulo da morte invadido já por agente infecioso traiçoeiro, condenados «avant la lettre»… E vai tomando o mundo inteiro. A realidade como que fraturada, estilhaçada, projeta-se em espelhos ainda há pouco antagónicos e agora irmanados no horror. E continuamos a tentar vencer o tempo, por pouco que seja, para um possível esquiço do futuro, na incerteza de um combate vitorioso. Assim há séculos: voltávamo-nos para o mar, deixando para trás o que se convertera num mar e destroços, amontoado de vidas destinadas, então, ao fracasso.
De qualquer modo, instalou-se entre nós, seres humanos de qualquer latitude ou procedência, o terror da morte, sem a possibilidade de guerrear um inimigo invisível. Nos Estados Unidos, que continuam, apesar do estado sanitário e viral aterrador em que se encontram, a considerar-se nação indispensável, o que de fato são, temos o retrato antecipado de um futuro ameaçador. Irreversível?
Não há motivos para apoiar a esperança em estatísticas, nem em interpretações de benevolência dos povos perante o sofrimento, sobretudo se pensarmos em geração futura que entendemos chamar descendência. É seguramente tempo de juntar à definição de globalismo uma definição dos limites do sofrimento humano, que, entretanto caminhou para o todo.
Entre nós, portugueses, temos vozes autorizadas e de exigente intervenção, para que uma diplomacia de paz seja interventora e respeitada; enunciemos, antes de terminar, dado a proximidade, a comemoração d’O 25 de ABRIL. Felicito os que porfiaram na sua realização. Quem foi guerreiro, sê-lo-á sempre, apesar das previsões de um futuro supercomplexo… Aliás, o presente exige luta contra a falta de esperança, e nós, portugueses, somos mestres na matéria, temo-lo demonstrado ao longo de séculos! Quem o negar é traidor à Pátria e merece desprezo.
Por hoje, é tudo, «nobre Povo».
18 de Abril de 2020