Entre Livros       

Índice:

82 - NO PAÍS DAS UVAS

81 - ODE À ALEGRIA FUGITIVA

80 - A VIRTUDE DO AMOR

79 - ANGOLA - Metáfora do mundo que avança

78 - Clarabóia

77 - Indignados

78 - APRESENTAÇÃO DE "ORNATO CANTABILE" E "MAR SALGADO"

75 - 11 DE SETEMBRO, 2011

74 - OSLO

73 - Viver é preciso

72 - O grito da garça

71 - MORTE EM DIRECTO, NÃO!

70 - ALEA JACTA EST

69 - CONFRONTO - Porto 1966 - 1972 - Edições Afrontamento

68 - PARVOS NÃO, ANTES CRÉDULOS

67 - DA PERTINÊNCIA & DO ABSURDO

66 - MORTINHOS POR MORRER

65 - VENHA BISCOITO QUANTO PUDER!

64 - VERDADE E CONSENSO

63 - LEAKINGMANIA

62 - SESSÃO DE LANÇAMENTO NA LIVRARIA BUCHHOLZ

61 - UMA APAGADA E VIL TRISTEZA

60 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E POLÍTICAS

59 - NO DIA DE PORTUGAL

58 - FERREIRA GULLAR- PRÉMIO CAMÕES 2010

57 - BENTO XVI - PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO / LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 - THE GRAPES OF WISDOM

51 - Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM ? o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - ?I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil?

39 - FILOMENA CABRAL, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN ? Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL ? OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES ? Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz- te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA ? O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 - Ruralidade e memória

05 - Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implicauma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezesda actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todosos acontecimentos são pseudoeventos, cruzando- se formas discursivasem que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma práticajornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectivacultural especifica ou informativa, numa área não suficientementerígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        28 de janeiro de 2012



Por Filomena Cabral

NO PAÍS DAS UVAS




« (... ) E colocado entre duas classes que o detestam, vinga-se, calcando os que lhe ficam por baixo e pondo ratoeiras debaixo dos pés dos que lhe ficam por cima(... ) Este homenzinho das birras, que toda a gente receia pelas suas perversidades, é o gnomo: mesmo fugindo morde, em sintonia com a cegueira despótica do mundo, no sentido pior que lhe é possível! (... )»

Fialho de Almeida (1857), in «O País das Uvas»



De inverno, na ausência de tudo, as raposas, raras, aproximavam-se do povoado. Pressentindo a natureza farta, ala, que se fazia tarde, iam olhar pomares - não havia modo de se eximirem à fábula. Impossibilitadas de alcançar uvas, continuavam caminho, rosnando: «Estão verdes!»

No mundo de hoje, que já não é o de Fialho, menos ainda o de Esopo, afadigam-se homens e mulheres, em dispêndio de energia anímica irreparável, mergulhadas em tinteiros diversos penas comuns, personalizadas quanto possível, o proveito mirífico à sombra de videiras e videirinhos. Políticos autênticos e assim-assim, escritores de obra feita, reconhecida, e os mais ou menos estabelecem intensa palestra, defendendo estratégia, estéticas instáveis, porventura irreconciliáveis, com a perspicácia dos que administram magistratura de influência, decidindo, indexando. As uvas continuam verdes.

Com à vontade, sempre (em democracia tudo se aceita - embora a dita esteja a empobrecer), administra-se a leira das letras, ainda pertença dos que a semeiam, cultivam, ceifam, devoram, administram, num país vitivinicultor - cujo produto sustentava, outrora, um milhão de portugueses - agora de searas abandonadas e sem capataz: os que cultivam anseiam tornar-se ceifeiros, para cortar, seleccionar espigas destinadas ao moinho, num esbanjamento de matéria-prima que meteria dó, se não fosse intemporal. Atrás do tempo, tempo virá, e qualquer «escritor semeador» sabe que importa a qualidade da semente: a partir daí, será com os elementos, as parreiras do lucro na secreta esperança do negócio não explorado pelos ceifeiros. «Por detrás da mais inofensiva palestra, ei-los, os que sondam, com perspicácia velhaca, a oculta artimanha, não conhecem o riso límpido de lábios desinteressados, nem a amizade que ingenuamente se oferece, sem reservas nem cálculos (... )», na secreta esperança de especular em ulterior exploração - assim traficando com tudo o mais - no dizer, ainda, de Fialho de Almeida, referindo-se, por óbvio, à sociedade da época; mas somos sempre iguais a nós mesmos.

Na parreira do poder - esteja onde estiver -, os mais traiçoeiros alojam-se nas margens, sobretudo se o centro do mando pretender chamar a atenção, em eventos solenes, sublevando a populaça em «barrigadas de riso» à Eça, sujeitando-se às bengaladas de Fialho ou ambos, acolitados estes pelo maneirismo elegante de Francisco Manuel de Melo, a magicar, no panteão das Letras, no modo de puxar a rabona de uns tantos, estatelando-os. E sonhará, em vão, remeter ao seu lugar, à sua figura, a catraiada: o termo oitocentista tentou-me, não ofende e alimenta a farsa, sempre de mão dada com a cegueira despótica, esteja em cima ou em baixo: «As uvas permanecem verdes!»

Não acometo, por óbvio, agentes culturais - não sou masoquista nem maniqueísta -, percebo, no entanto, atmosfera indefinível, parodiando uma época em que gavinhas proliferavam, deixando, segundo Fialho, os «cachos rúbidos e opados» à mercê dos cachos mais acima, por dedicação do «propiatairo», o dono da vinha, colocado sempre entre aqueles que o detestam, num fatalismo a impregnar o tempo - o dele - em que o ambiente rural não se distinguia muito da pequena cidade provinciana, vingando a mentalidade fechada, que voltou, todos nos defendemos de todos.

Desatou o mundo a rodar, de súbito, ao encontro do indesejável, parece ter retornado tal fatalismo, e tudo aparenta ser decidido sob a parreira, dia e noite, certos uns tantos de que a astúcia agradará a um mundo apreciador de enredos em moldura obscura; a fama, veneno paralisante, continuará a neutralizar vontades, em elogios pomposos. Todavia, coexistem excepções, estou certa, necessito acreditá-lo.

Parafraseando ainda Fialho, figura tutelar do texto, «neste país das uvas, que o Meio-Dia e o Sul colhiam e pisavam a pés de homem (... ) como num mistério dionisíaco, ao Norte pelas encostas do Douro (... ), já se não oferece o espectáculo de verdura hilariando em tons esmeraldinos (... ) Toda a cultura panorâmica da vinha expirou: e em cada inverno, a triste populaça - cito ainda -, pede esmola, lastimando a saudade de dias fartos.» Vinhedos que continuam exuberantes, graças ao Altíssimo, não pisados a pés de homem, mas pela maquinaria. Que outras vinhas - as do riso alarve - alastraram pelo país teimando na dignidade, apesar de tudo, motejo ocasionado em tristes motivos, a nódoa permanecerá, nem se justifica a divulgação de jogralada de alta instância, somos um povo com memória, sobretudo tendemos a reviver o risível, daí - acreditem - a nossa resistência à desdita:

a quem pôs sola de molho e tirou à sorte o companheiro a sacrificar, timoneiros da «Nau Catrineta», nada há a ensinar, jeito não nos falta, escamoteada outra história na memória genética: somos um povo canibal, incorporadas diferentes culturas, dando-nos nós próprios a devorar. Por isso perdura o prazer do escalpe anímico - quiçá anémico -, atrapalhando, hélàs! Assim, em alucinante bombardeio, valha-nos a imagem, mata-se, esfola-se, devora-se a consciência; a turba, distraída, assobia para o lado. Em terra onde não há pão - sim boa vontade, desesperado empenho -, todos ralham. Preocupemo-nos, sugiro, com o alimento do espírito, olhem que, não tarda, calando-se «vozes da razão», a leira perigará, abandonada aos roedores - depois de séculos de prestígio -, as «penas» em tinteiros abstrusos, os semeadores actuais já à sombra da memória. Os novos são caóticos, espalham a semente em dias tempestuosos - pretendem chegar o mais longe possível com menor esforço -, malbaratando, quem saberá, o património em Língua portuguesa.



(O princípio da dinâmica de determinada área, reside na configuração particular da estrutura, na relação entre as diferentes forças em campo, em confronto. As forças activas que a análise selecciona, dando-as por pertinentes, por produzirem as diferenças mais importantes, correspondem a um capital específico. Conforme se atesta no caso da objectividade e da pertença, um capital só existe afirmando-se enquanto poder em campo. E assim se accionam os instrumentos de produção ou de reprodução, cujo arranjo constitui a própria estrutura de um sector submetido às regras que definem o seu funcionamento normal, e por ser assim, os ganhos inerentes. Não importa a área em que se aplique este princípio. Funciona sempre, até neste País das Uvas).

O parágrafo anterior obrigaria a outro texto. Todavia, optei pela ironia agreste de Fialho, centrada na «cegueira despótica do mundo».






Aqui se celebra, sem delonga, a nomeação de Vasco Graça Moura para o Centro Cultural de Belém; as Letras, ao mais alto nível, orgulham, uma vez ainda, a cidade do Porto, onde nasceu. E estou certa de que Graça Moura também aprecia Fialho de Almeida.

Desejo-lhe as maiores felicidades no cargo.


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