Entre Livros       

Índice:

64 - VERDADE E CONSENSO

63 - LEAKINGMANIA

62 -SESSÃO DE LANÇAMENTO NA LIVRARIA BUCHHOLZ

61 - UMA APAGADA E VIL TRISTEZA

60 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E POLÍTICAS

59 - NO DIA DE PORTUGAL

58 - FERREIRA GULLAR- PRÉMIO CAMÕES 2010

57 - BENTO XVI - PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO / LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 -THE GRAPES OF WISDOM

51 -Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM ? o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - ?I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil?

39 - FILOMENA CABRAL, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN ? Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL ? OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES ? Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz-te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA ? O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 - Ruralidade e memória

05 - Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implicauma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezesda actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todosos acontecimentos são pseudoeventos, cruzando-se formas discursivasem que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma práticajornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectivacultural especifica ou informativa, numa área não suficientementerígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        2010-12-25

VERDADE E CONSENSO

Filomena Cabral    



Agarrámo-nos à expectativa como se, debruçados da varanda do tempo, olhássemos, em suicídio lento, o corpo múltiplo a lançar-se no abismo, adquirindo celeridade, peso e inevitabilidade. Isto instalou-se aos poucos na consciência do colectivo, de maneira furtiva, e foi como que criando uma linguagem, no mais profundo dos gestos, das entranhas; de tal modo angustiante que, se pensarmos desencanto, murmuraremos esperança, gritando qual indivíduo insone, obcecado pelo repouso inviável.

Tomámos consciência da impossibilidade de separar os discursos, ideias feitas sobre o que quer que seja, a verdade é «um valor que se dissolve», no dizer de Nietzsche, e só pode formar-se no interior de nós próprios: seguramos, há séculos, uma vela, à luz da razão, procurando a verdade e aliando-a ao bem, por nos parecerem associados. Para termos verdade, no entanto, necessitamos de valores e só temos factos por termos valores, pois são estes que ditam o critério da pertinência; tal empurra-nos, desde logo, para um gráfico ilusório que nos ajude a descrever as relações pessoais costumeiras e os factos sociais passíveis de envolver projectos da existência. Os juízos de valor não são preconceito, e a aceitabilidade racional, apesar de ter por base a tradição, questiona-a, para que possa estabelecer-se um diálogo onde se combinem a colectividade e a responsabilidade individual. O que não leva ao abandono do esforço de comentar, tentando aclarar o (in)explicável.

Em dualidade, tentaremos agarrar ainda a tradição natalícia – que já não é o que era – ensaiando revesti-la de virtudes antigas, apelando à simplicidade, não de um modo racional, mas pelo susto do mundo e pela real política; por certo, logo que afastados dos dias festivos que deveriam ser de reavaliação da vida, iremos preparando o espírito para a percepção de fenómenos diferentes que, permanecendo no interior do nosso mundo, já se não aliam à tradição a estabelecer cumplicidade com o Altíssimo, mas à fiabilidade, demarcando-se, sem apelo, do consensual, de toda a referência à unanimidade. Voltar-nos-emos então para o lugar em que se formam as evidências do senso comum, investiremos na força racional, no «mundo da vida», sendo a relação íntima com esse mundo que nos possibilitará destrinçar os discursos de uma campanha eleitoral que tenta fugir à linguagem frequente, agora enfatizada, procurando «um sentido próprio». E seremos coniventes numa armadilha sem fim à vista, enredados em estratégias que nos fazem como que regressar no tempo, tal a perversidade; o dilema parece adaptar-se a todos os gostos, perdidos critérios de avaliação em todas as áreas, tudo é um reflexo infindável da vontade, e melhor será pormos de lado a verdade. Atordoados por tramas que fontes indiscretas recentes misturaram ainda mais, numa estratégia formidável de confundir – quem engana quem? –, o mundo tornou-se uma enorme janela, por onde todos poderemos espreitar a performance do vizinho, desde que abramos o nosso postigo, evidentemente. Tudo é deprimente, deixou de haver fogo na alma a estimular ideais que transformaram o mundo; permanece a raiva, um sentimento nocivo, mordente, gerador de energia sufocada, parecemos um bando de zombies, e somo-lo, uns mais outros menos, só alguns felizardos – sabe-se lá quais os meios –, se equilibram nas tamancas, não as nossas, carregadas de tradição, mas nas holandesas, bem mais sofisticadas: o mundo, aparentemente, sem barreiras de uma certa Europa contaminou a simplicidade de países na franja da mesma Europa! Que é feito da nossa crença e da credibilidade, da generosidade (não confundamos com campanhas de ajuda; mas, como em tempos se fazia, visita-se os pobrezinhos: quando se volta atrás é sempre pelo pior). Nunca se notou como agora o poder, em todas as suas facetas, até o pequeno, mínimo, caricato poder momentâneo dos que não possuem poder algum, pela inveja social, e não podemos nem devemos andar mascarados, sem esquecer, no entanto, que quem vê caras não vê corações e ainda menos o bolso. As relações humanas tornam-se comédia e, na pretensão de demonstrar não sei bem o quê, parodia-se, ad infinitum, o avarento de Mollière, agora com arca ridícula sob a cama, arca vazia, já que não pode enterrá-la no quintal; mas deixou de acicatar o vizinho.

Um dos principais defensores da verdade enquanto consenso, Rorty, professor de humanidades em Princeton, sintonizado com Heidegger e Derrida, afirma que a Europa “post Nietzsche” se aproximou mais do pragmatismo americano, que critica a metafísica e rejeita a correspondente teoria da verdade; distingue entre «afirmação de si» e «fundação de si». Segundo o próprio, há um desígnio de solidariedade, o qual, deixando de identificar a razão com a busca da objectividade, evita a submissão do discurso a normas prévias que configurem uma dada unanimidade, na intenção de alargar consensos, cabendo à comunidade atribuir à solidariedade um valor determinante, assim a afastando do pragmatismo do relativismo, com o qual se compara por vezes. Assistiremos, ainda uma vez, por incontornável, a «causas efeito», «estímulos resposta», em contínuo, sem conseguirmos já destrinçar o vector mais de acordo com os nossos desejos, pois nada no mundo de hoje pactua com o anseio: surgiu a macro palavra conveniência, sendo que há vários modos de o indivíduo viver as ficções da sua comunidade, confirmando-as, alterando-as, assim criando outras em que passa a residir a dimensão crítica da razão, não nos juízos feitos a partir de critérios intemporais. Pelo que tudo se complica, é difícil lidar com a «verdade mentira», obriga à solidão necessária, de certo modo ao retiro, sobretudo se diante da evidência das eleições para a Presidência, em Janeiro de 2011, resolvidas logo na primeira volta, segundo parece, indo ao encontro de um processo de racionalização e de desencanto ocidental de Weber: afastadas para um plano secundário as exigências «ético políticas», evita-se o racionalmente problemático, verificando-se como que a monopolização do posicionamento, ou seja, da racionalidade da relação entre meios e fins.

E enveredaremos, uma vez ainda – não há como escapar-lhe – pela sociologia compreensiva, sujeitos à neutralidade de valores. Invocado o direito natural, há quem tenha visto já em Kant uma fase prévia da «vontade de poder», refiro-me à equiparação feita por Foucault da «vontade da verdade» com a «vontade de poder», quando afinal em Kant as exigências universais de validade do argumentante eram remíveis sem recurso à violência da vontade; tal viria a ser distorcido por Nietzsche, entre outros, auto-constatando «nada senão a vontade de poder». E quem diria que o axioma haveria de submeter os debates entre os candidatos à Presidência da República Portuguesa? Vamos verificando que todos exibem forte vontade de poder, ainda que momentâneo e variando em grau, sobre o adversário e interlocutor.

Por detrás do questionamento do mundo, desde Copérnico, estava não só a «vontade da verdade» em si própria, mas também o interesse determinado – seja isto o que for – que de facto caracteriza o logos do «posicionamento». Ora a dimensão da vontade de poder, vontade tantas vezes residente no interesse técnico-científico de conhecimento, apelando à dimensão da exigência da verdade, não está livre da concordância de sentido e da formação de consenso intersubjectivas. Isto é: o que nos parece que percebemos não é o que apreendemos, tem de haver uma intuição de base que permita que nos movimentemos – tanto quanto Alice o conseguiu – «no reino das finalidades»…

De facto, a ironia arreda-nos momentaneamente da angústia e até do tal varandim, de onde apelamos ao devir, aterrorizados de tal modo com a sua face que preferiríamos que ignorasse a nossa, fartos uns dos outros, por nos assemelharmos cada vez mais: em vez da igualdade num mundo idealizado, somos nivelados pela intempérie político social, e as sociedades humanas, desumanizadas à força de argumentos, com uma lógica arrepiante, abandonam-se em molhada pelas esquinas do tempo, um tempo virtual. Já não conseguimos percebê-lo, não temos tempo para o tempo, sempre desprezando o momento presente, ansiando pelo minuto seguinte, numa atitude patética de desespero esperançado. A isto chama-se fuga da vida.

A instância de decisão surge enquanto tribuna da razão, onde a responsabilidade assumida vai além da responsabilidade de classificar as decisões, enquanto certas ou erradas. Talvez haja decisões convenientes, em «lealdade recíproca», esta poderia levar a defender um princípio de «auto limitação da vontade soberana», mas não creio: a verdade ficará pelo caminho e o consenso, apesar da discussão, é previsível, para «evitar que nos vejam desavindos», frisava há dias o Senhor Presidente da República, enquanto candidato, usando o pragmatismo útil, num frente a frente em que apelava à contenção do interlocutor, Francisco Lopes – tentando condicioná-lo –, aquele a surpreender, não só nesta ocasião, pela acutilância de ânimo que faz recordar Álvaro Cunhal, em alguns momentos, isto sem pretender aproximar o incomparável. Em síntese: segundo Sua Excelência, o Presidente da República, na circunstância candidato, não merece a pena esgrimir ideias, discordância, comportemo-nos bem para que a entidade «mercados» se não irrite connosco, portugueses. Quem nos avisa, nosso amigo é. Esta dominação dos «mercados» indigna não só os portugueses, mas com o mal dos outros podemos sempre. Por evidente, não interrogamos a Presidência, seria uma falta de respeito, mas seriamos bem capazes, para não trair a cepa, de ajudar, caso se tornasse forçoso, a desbaratar o chavascal de intriga em que se tornou um país outrora digno. Alienámos o Império e aderimos ao euro para ficarmos de mão estendida ao mundo, aos «mercados»? Ah, é a conjuntura, bem sabemos, mas também conhecemos a vergonha.

Uma outra surpresa, a candidatura de Fernando Nobre, não se esperava que se desvendasse para além da faceta humanitária de notável mérito; pois revelou-se cada vez mais seguro, com discurso distinto, incisivo, duvido que pense na Presidência, antes num novo partido. Manuel Alegre, surpreendido, mostrou alguma condescendência, sabe que a contenção joga a seu favor, tem um passado político, embora o futuro seja uma incógnita. Certo, no entanto, qualquer que seja o resultado – e recordemos que ainda se não realizou o seu frente a frente com Aníbal Cavaco Silva – o lugar na galeria de notáveis, os louros na fronte de Mário Soares, ainda e sempre, o tempo tem jogado a seu favor.

Por credulidade e alguma subserviência, tornámo-nos num dos países mais ridicularizados da Europa, não sendo menos verdade que o Presidente dos EUA (que acaba de conseguir mais uma vitória no Congresso, da maior relevância para o seu país e para o mundo), quando no Palácio de Belém, em Novembro último, se nos dirigiu enquanto “terra de navegantes, que daqui saíram para irem ao nosso encontro” (da América, claro), demonstrando que o mito português perdura, apesar de tudo. Ouvi isto em directo. Não incorporou qualquer noticiário posterior. Provavelmente, sentiram-se alguns incomodados, vivemos obce(r)cados pela Europa, temeram aborrecer os que se encontravam no Parque das Nações, e convenhamos, era demasiado próximo; mas e se o “euro alemão”se concretizar, mais tarde ou mais cedo? Que será dos nefandos “mercados”? Desconhecendo embora tais matérias, “há mais mundo, para além da Economia”, nessa altura o espectro político português terá mudado, as eleições de 2011 irão longe talvez, o que não nos descansa absolutamente nada: vamos percebendo barbatanas cetáceas de gente de meias águas. Mas não se preocupem demasiado, caros amigos, ainda estamos no reino das possibilidades. Que o Novo Ano nos seja propício.











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