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Índice:

BENTO XVI – PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO / LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 -THE GRAPES OF WISDOM

51 -Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM – o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - “I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil”

39 - FILOMENA CABRAL, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN – Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL – OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES – Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz-te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA – O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 - Ruralidade e memória

05 - Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implica uma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezes da actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todos os acontecimentos são pseudoeventos, cruzando-se formas discursivas em que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma prática jornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectiva cultural especifica ou informativa, numa área não suficientemente rígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        2010-05-15

BENTO XVI – PALAVRAS DE DIAMANTE

Filomena Cabral    






Sua Santidade o Papa Bento XVI chegou, na brancura das vestes, qual ave de bom augúrio – devo esclarecer que fui educada em colégios católicos e professo a religião católica, logo não me move a descrença –, e o bom povo português, apreensivo como poucas vezes na sua história, esquecido de um passado glorioso, de tão obcecado com a Europa, quiçá envergonhado desse mesmo passado aventureiro que deu novos mundos ao mundo, escutou boquiaberto a alusão de Sua Santidade ao Passado Glorioso de Portugal. E que isto fique em destaque, talvez a partir deste momento os pais se não envergonhem da História de Portugal, transmitindo aos filhos o dever da gratidão a quem soube projectar a imagem de um tão pequeno país no extremo da Europa, ao longo dos séculos, isto é, aos antepassados Portugueses, que disseminaram a língua portuguesa pelo globo, a Europa como plataforma originária do Ocidente, de um Euromundo. E nós, portugueses do século XX, de boa vontade partiríamos para qualquer parte desse mesmo mundo, se todo ele não vivesse o mesmo descalabro. A aventura deixou de ser possível e a esperança tornou-se um vício da inteligência.

Logo, regressámos ao movimento pendular entre o coração e a razão. Andamos tão obcecados pelo euro, a tentar acertar o passo com tecnocratas e economicistas, que a vinda de Sua Santidade, dicotómica, levou a que os portugueses crentes e não crentes dessem por abençoada esta visita do Vigário de Cristo na Terra. Se a multidão se espalhou pelo dédalo de esperança, nas ruas de Lisboa, convergindo no Terreiro do Paço, dando vazão à emoção, só beneficiou da catarse, “o choro, gosto amargo de infelizes”, sempre aliviará a alma.

A Diplomacia do Vaticano tem em Sua Santidade o seu expoente máximo, coadjuvada, necessariamente. A idade avançada, a fragilidade notória em nada desviam, no entanto, uma mente determinada, superior, que escolhe a via da razão para chegar ao coração dos intelectuais e pensadores, pois sabe que são estes quem, apesar de tudo, estruturam a memória de um povo nas suas variações identitárias, ainda que sejam ignorados ou desvalorizados por esse mesmo povo. As purgas, os genocídios, as perseguições não conseguiram nem conseguem aniquilar a memória, o rasto de sangue é um risco tenebroso que nada lava, indelével, a Inquisição fez mártires, santos, quase a contragosto, os bem-aventurados são os desventurados de antanho. E nós, homens e mulheres do Pensamento, da Criação, da Tecnologia, estamos e estaremos, como sempre estivemos, aqui, guardando e defendendo a Memória, qual guarda pretoriana.

Aprendi, pois li Monsenhor Fulton Sheene quando tinha quinze anos, em inocência, que, quando se nos fecha uma porta se nos abre uma janela, que um raio de Sol pode sempre rasgar a escuridão; mas para que esse postulado de esperança brilhe, necessita de experiências de solidão: disso não me avisaram. Fui (sou) Filha de Maria, guardo a larga fita azul de uma cerimónia com o Bispo do Porto, no velho Colégio de Nossa Senhora do Rosário, na mesma cidade, mas o certo é que jamais me apoiei na crença para vencer obstáculos. A vida ensinou-me que devemos acreditar em nós, em nada mais que nós, na nossa força de vontade, determinação, qual couraça a evitar, em livre arbítrio, que entreguemos a nossa vida à seara da crença: lá viriam as avezinhas do céu, devorá-la-iam, à nossa seara, à nossa esperança, levando-nos à dependência emocional irracional, a forma mais terrível de sujeitarmo-nos a quem quer que seja, por isso chamamos a essa necessidade Amor e lutamos por ele, mas o amor não existe fora de nós, não é coisa que se encontre, sim partilha, dádiva, jamais um direito o Amor, nunca o foi, nem o da Igreja pelos crentes. A Igreja amará os seus filhos, mas apartará de si as ovelhas manchadas, para que sirvam de exemplo, se ainda for tempo… Castradora, vingativa, com um poder irradiante, mantém há séculos o Homem no terror do Além, e recolhe mais trunfos, de cada vez que, Aquém, o mundo se torna demasiado problemático. E raras vezes terá tido necessidade a Igreja de recuperar a autoridade perdida como agora, até porque acabou por ser atingida, inelutavelmente, na sua credibilidade.

O Papa Bento XVI, um diplomata, chegou a Portugal. Não caminhou pelo Mar da Palha, mas as palavras de diamante, preciosas, cirúrgicas, chegavam, quando chegavam, ao coração, o lugar das tormentas – o ponto mais sensível na humana natureza – e Sua Santidade Bento XVI não é João Paulo II. São o oposto. Ele é razão, o outro era coração, haveria na sua retórica uma aliança com a simplicidade dos humildes, fora um homem de luta, um resistente, muito antes do Papado, não proviera de uma redoma social. Bento XVI é um Papa Renascentista, um Príncipe da Igreja fora do tempo, um Diplomata com frases de veludo endereçadas à mente, cortantes qual diamante embora, sem dúvida preciosas – não serei eu a desvalorizá-las, teria de ser obtusa e não creio que o seja.

Cumpriu quatro dias em Portugal, o país escolhido pela Virgem para o martírio, segundo parece. Perdemos o Império, influência, a moeda, o direito de administrarmo-nos, ganhamos honrarias ilusórias de pobrezinhos – ficaremos cada vez mais inseguros –, a quem pouco basta para que se alegrem. As crianças – “ai, as crianças, Senhor, por que lhes dais tanta dor, porque padecem assim “ – acorreram ” qual bando de pardais à solta, os putos “, bando de avezitas inocentes, utilizadas de forma obscena para lavar o nosso cérebro da ignomínia perpetrada sobre outras. E nós sorrimos, rejubilámos, num populário que desviava a iniquidade para a alçada das virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade. Para as crianças, para a maior parte dos adultos, o Papa é Deus, mas não é, jamais será, nós nem sabemos se Deus existe, existe a Regência magnífica de um Cosmos que nos transcende e assusta, existirá uma força que nos galvaniza, nos decide do destino, através de preocupantes manifestações do nosso mundo, energia que nos abandona quando o deixamos e que – quanto a mim – regressa ao Cosmos, de onde viera: nós somos poeira de estrelas, logo viemos do Céu e para lá voltaremos. A grande figura do Cristianismo é Jesus, um dos maiores filósofos de sempre, o maior Criador, logo a partir da criação do relato bíblico em múltiplas vozes, um semeador de Esperança, um propalador de emoções, de sonhos, apesar das agruras do mundo, ainda que com sacrifício da Vida.

A Igreja, enquanto instituição, é a que mais Poder tem na Terra, estende-se pelo mundo, ainda que por Bem, sem no entanto abandonar o que desde sempre se propôs, dominar os homens e as mulheres ou pelo medo – ameaçando com a perdição eterna – ou pelo coração, em discursos de bem-aventurança. As palavras de diamante de Sua Santidade, Bento XVI, sempre lidas, bem pesadas, sem deslizes do coração, levaram-me a pensar que a visita a Portugal foi, antes de mais, uma embaixada a um ponto de irradiação preferencial, não só pelos aspectos históricos de antanho, mas pelos videntes de Fátima, aqui convergem as atenções do Mundo, proporcionando que Bento XVI desse de si uma Imagem que ninguém tivera: de mansidão, serenidade, de um certo humor benevolente, paternalista, de uma inteligência superior que conduz, apesar da idade, quem quer e quando quer. Subjuga a inteligenzzia, é o velho professor venerável a lisonjear intelectos, afagando egos; embora representante de Pedro, é um perspicaz homem de Estado do século XXI.

Nesta visita diplomática, o nosso velho país foi utilizado por bem, acredito, mas aproveitado: daqui, andando por aqui, chegou a todo o mundo que fala português e castelhano, isto é, a América Latina (também o nosso amado Brasil), até a Cuba, aos Estados Unidos, à Rússia: na velha aliança e na comemoração dos povos, após a Segunda Guerra Mundial, que agora se celebrou, a aliança atlântica reforça-se, temos o Vigário de Deus na Terra do nosso lado, o que não sucedera então, ao que dizem. E se a Virgem nos trouxe inquietação, pelas aparições a três inocentes acareados e aterrados pela Igreja, em devido tempo, agora merecemos um belíssimo ramo de rosas d’oiro e pérolas, em homenagem à Senhora. O intelectual, o Catedrático em matérias que nem me atrevo a enumerar, acedeu, emocionalmente, ao mistério das aparições. As palavras foram de diamante, o povo emocionou-se, ainda, pela presença longínqua de João Paulo II, doce e quase franco como o mesmo povo: sobrepuseram-se imagens, fez -se um “transfer” de emergência, movimentou-se a reserva de amor que lhe era tributada e entregaram-na a Bento XVI. E isto, sim, deve ter comovido Sua Santidade. A não ser que um segredo esteja bem guardado: teremos a sorte, enquanto portugueses, de nos afastarmos da turbulenta e cada vez mais egoísta Europa, acostando à Atlântida, numa quimera absurda? Porque num segredo portador de felicidade, de algo de bom, ninguém crê. Só se por aí vier mais dor, mais sacrifício. Destruição. Acreditamos, mais facilmente, em qualquer bomba atómica traiçoeira que numa cornucópia de bênçãos. Porém, as rosas d’oiro constituíram um gesto magistral de bom-tom, rico de significado: ”Que trazeis, Senhor?”

Agradeçamos a Sua Santidade, além de tudo, o sacrifício generoso da energia, da saúde, por terras lusas, dando-nos visibilidade, apesar de tão inermes no mundo, jamais fomos tão dependentes. Viva pois Sua Santidade o Papa Bento XVI, conservemos as virtudes cardeais que nos orientam na vida: Prudência, Justiça, Força e Temperança.









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