Todo o escândalo cumpre a função de distrair do essencial, pois difícil será assegurar que discrepâncias interpartidárias não causem, a breve trecho, quem saberá, o desequilíbrio, as palavras não tilintam no vazio, são antes um modo de interrogar a alternância do mundo sempre a reinventar-se: o estado de exacerbamento leva a encarar o mundo, as circunstâncias, de outro modo. Interligam-se no Parlamento português gerações de políticos, uns demasiado cautelosos, guiando-se pela experiência: o poder, uma vez perdido, levará anos a recuperar, dando espaço a novas gerações convencidas de que querer é poder – e raramente a vontade tudo define, muito pelo contrário, estratégias de sobrevivência política podem inquinar o rumo, as circunstâncias; a arrogância de alguns, inexplicável, vai gerando ondas de agressividade, ferido o amor-próprio de políticos da velha guarda, cientes do perigo de ilusões desgovernadas, lançadas ao vento, quais papagaios de papel.
Todavia, «com o apoio das forças de esquerda», clama a direita, o Orçamento de 2020 foi fechado e será submetido a promulgação doExmo. Presidente da República. Interessa ter sido aprovado… Um Parlamento sem forças políticas lutando seria o oposto do que deve ser, embora a incontinência verbal gere vórtices de incompreensão. Luta-se pelo poder, pelo derrube do parceiro, se possível achincalhado; os ideais, as aspirações legítimas são envoltas numa certa torpeza que incomoda, pois demonstra quão Portugal vai mudando, estimulado por forças exteriores, pelo panorama de autoritarismo execrável, demonstrado até à saciedade pelo país velho e respeitável a que Portugal esteve através de séculos ligado, a velha Inglaterra, embora ávida do nosso ouro e outras riquezas, seria verdade; uma estrela caiu de vez do emblema da União Europeia. Pela insana prepotência do Presidente dos EUA, muito poderá ocorrer na Europa e restante mundo.
Sabemos que sempre houve «teatro de Estado»…Iniciou-se quando os senhores nos seus castelos se viram obrigados a ter em consideração os interesses e necessidades de gente ainda mais poderosa e bem colocada que eles. Foi um factor civilizacional. Para não perderem nem a visão de conjunto nem as hipóteses de aceder ao poder, decidiram-se pela moderação e puseram de lado a brutalidade. Havia que ser moderado, observar e planear, controlar-se e ser dissimulado. Para agradar teriam de ter boas maneiras em público e granjear a simpatia dos demais. Teriam de fazer a radiografia psicológica dos outros e usá-los em proveito próprio. Por outras palavras: a corte adoptou nova estrutura comportamental e tornou-se um palco onde eram premiadas as virtudes do actor. Podemos falar de um «teatro de Estado» presidido pelo monarca. E assim determinavam a sua influência e o seu rendimento. E depois, enquanto competiam entre si, o monarca estava a salvo… Para controlar a ambição dos nobres, a corte brindava-os com um drama contínuo que mantinha ocupadas as suas energias. E foram aprendendo que o comportamento não se regia meramente por regras morais mas também dramáticas… aprendem a fazer política! O primeiro a retirar as devidas ilações foi o italiano Nicolau Maquiavel, naturalmente, com o seu livro O Príncipe.
O Parlamento, em Portugal, goza de uma diversidade etária que só atrapalha, confunde. Os mais jovens querem afirmar-se (e sabemos quão relativa consideração lhes merecem os políticos de carreira). O pior é que não disfarçam, desprezam a contenção, aproveitando-se de toda a instabilidade que por lá surja. Creio que a «guerrilha» não poderá manter-se… A quem de direito, aqui se pede aconselhe os altivos rapazes. O espectáculo para aprovação do Orçamento não foi digno do País que somos (ou fomos).