Entre Livros       

Índice:

89 - A FARSA DO INSTÁVEL

88 - FUNDAÇÂO JOSÉ SARAMAGO

87 - OBAMA ON THE ROAD

86 - O FUROR DA RAZÃO

85 - Geografia do Olhar

84 - ESTOICISMO COERCIVO

83 - O TRAMPOLIM DA LINGUAGEM

82 - NO PAÍS DAS UVAS

81 - ODE À ALEGRIA FUGITIVA

80 - A VIRTUDE DO AMOR

79 - ANGOLA - Metáfora do mundo que avança

78 - Clarabóia

77 - Indignados

78 - APRESENTAÇÃO DE "ORNATO CANTABILE" E "MAR SALGADO"

75 - 11 DE SETEMBRO, 2011

74 - OSLO

73 - Viver é preciso

72 - O grito da garça

71 - MORTE EM DIRECTO, NÃO!

70 - ALEA JACTA EST

69 - CONFRONTO - Porto 1966 - 1972 - Edições Afrontamento

68 - PARVOS NÃO, ANTES CRÉDULOS

67 - DA PERTINÊNCIA & DO ABSURDO

66 - MORTINHOS POR MORRER

65 - VENHA BISCOITO QUANTO PUDER!

64 - VERDADE E CONSENSO

63 - LEAKINGMANIA

62 - SESSÃO DE LANÇAMENTO NA LIVRARIA BUCHHOLZ

61 - UMA APAGADA E VIL TRISTEZA

60 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E POLÍTICAS

59 - NO DIA DE PORTUGAL

58 - FERREIRA GULLAR- PRÉMIO CAMÕES 2010

57 - BENTO XVI - PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO / LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 - THE GRAPES OF WISDOM

51 - Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM ? o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - ?I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil?

39 - FILOMENA CABRAL, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN ? Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL ? OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES ? Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz- te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA ? O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 - Ruralidade e memória

05 - Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implicauma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezesda actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todosos acontecimentos são pseudoeventos, cruzando- se formas discursivasem que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma práticajornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectivacultural especifica ou informativa, numa área não suficientementerígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        21 de julho de 2012



Por Filomena Cabral

A FARSA DO INSTÁVEL


«Não me meta em escrúpulos»
Camões, Carta III de Lisboa a um Amigo

Temo que nos percamos de vez, parodiando Alcácer-Quibir, voltados os ódios para dentro, já que não poderemos compensar-nos no «infiel» - agora todo e qualquer que pense ou sinta de modo diferente de nós, ou com o qual embirremos. Portugal, irresponsável, parece brincar com o próprio destino, crendo bastar vontade transversal à sociedade, para que se cumpra. É certo que vivemos em democracia, mas num atoleiro de vontades próprias e alheias. Aproveitam-se pretextos ridículos, manipula-se o ressentimento social; o instável parece ter-se tornado o modo de acção dos portugueses, dado que não obriga à tenacidade, necessitando, pelo contrário, de mudança contínua - infelizmente, andamos nisto há anos, viciámo-nos.

Emotivos, débeis, consumidos, iremos para onde nos empurrarem e, uma vez atingidas as margens do desatino, até poderemos eleger para governar-nos um «terra tenente» qualquer, ano sim, ano não, para que haja movimento: participaremos assim numa farsa a tempo inteiro, como em tempos de denúncia, de máscaras - «não me meta em escrúpulos» -, já referidos por Camões na sua «Carta III de Lisboa a um amigo»: nas ruas, nas praças também agora há um permanente teatro da fé, para conveniente lançamento dos autos-de-fé - afirmava.

Por seu lado, João de Barros denunciara que o mundo da mercadoria estava dominado pelo pecado; o jesuíta Fernão Rebelo, no «Tratado do câmbio», considera que, em si mesma, a profissão de mercador e banqueiro «encerra uma certa indignidade». O cristão-novo Manuel Fernandes Vila Real defendia que «o coração do homem está nas suas mãos, isto é, nas suas obras: se não quereis despenhar-vos em temeridades, excedendo os limites de vossa jurisdição, julgai não segundo a vossa ignorância, ou, melhor dizendo, a vossa malícia».

Mais tarde Bento de Espinosa escreverá: «Se o direito estatal fosse de modo a que os factos fossem incrimináveis, mas as palavras fossem impunes, semelhantes conflitos não poderiam jamais invocar qualquer espécie de direito, nem as controvérsias se converteriam em sedições». Ora, tais sedições ou tumultos serviam, como sempre servem, a sobreposição dos poderes.

Com toda a sinceridade o digo: já nem sei se o constante arrebatamento populacional não terá sentido depredatório: quem, em permanente sobressalto, agonia, perdidos os pontos cardeais na vida, resiste a tanto tumulto, volubilidade? Assim, morreremos bem mais depressa. O «fait divers», qualquer que seja, é motivo de perda de capacidades, não só para os visados, há o factor espelho, imagens consequentes onde o colectivo se vai projectando e desgastando. Somos um povo que ama detestar-se para poder amar-se? Que ansiamos? Voltar atrás? Até onde?

Num «brainstorming» descomunal, lançam-se ideias, hipóteses, todos têm opinião - ilusoriamente, dado que apenas somos aproveitados como pretexto. As ideias surgem qual redemoinho de folhas, num Outono antecipado, e ninguém sabe se vencerá a canícula, muitos podem nem sequer chegar ao Inverno.

E na «tempestade» de ideias, opiniões, reptos, a inconsequência encontrará modo de desculpa. Popper defende que «só podemos fundar proposições por meio de proposições, e por trás das proposições só há causas». Por trás das proposições há razões, não só causas - entendem alguns -, evidências que muitos podem confirmar. Mas a evidência não é conhecimento, a interpretação é necessária. E por mais voltas que eu desse com isto, acabaria por chegar sempre «às coisas em si» e «meras aparências», de Kant.

Toda a inquietação em que vivemos tem de ser resolvida com o argumento do sonho ou do marasmo. Mais mudança - já? Mas em nome de quê? Há, em todas as circunstâncias, a pretensão da validade universal em actos ou situações comunicacionais. Compreendo a necessidade da validade, pois que em cada momento da conversação dizemos - ou damos a entender - que se dizemos isto também diríamos aquilo, justificando assim uma pretensão. Fornecemos razões, não damos definições de verdade. Em que sentido pressuporíamos uma verdade universal, se deixámos de perceber, no contexto da actualidade, o que significa a palavra «universal»? Poderemos continuar a afirmar que alguém com determinadas crenças e desejos desejaria obter uma definição de verdade. Mas, a verdade de uma licenciatura? Todo um país pendente de um certificado de competências, quando se afoga no excesso - inúmeras, segundo se diz, sem saída prática, logo inúteis - documento que não evita a ignorância de quase tudo. Conhecendo muitos tão só e mal o adro do conhecimento, lança-se a digna turba de indignados sobre alguém que, aparentemente, pretende roubar-lhe «panache», de tal modo se deixou tomar este país desesperado e desencantado pela ideia de que a formação universitária confere reputação «irréprochable» ao sujeito. Assim fosse. Proponho cursos acelerados (não a celerados) de civismo, da memória do colectivo, de história política. Nós, portugueses ou não portugueses, não decidimos de coisa alguma, somos a circunstância criada. E sempre no futuro. No agora da acção só valerá o que possa dinamizar o devir.

Pelo vórtice de desejos e ódios desviados, tenho por vezes a ideia de uma clepsidra em vórtice fatal, prestes a esvaziar-se; o nosso país adiado desde há anos (desconhecemos até quando), em vez de conceder um pouco de tempo ao tempo, decidiu queimá-lo, evitando-se o temor da finitude, que implica angústia mortal, insustentável.

De novo o pesadelo - eleições? E resistiríamos? Não me parece. Só por ardil, para que desaparecesse, em meses, por depauperamento, dez por cento da população exausta: um milhão a menos agora, outro no próximo ano ou no seguinte, lá iria aumentando o PIB: de modo seguro, estaria o problema em parte resolvido. Mãos à obra.


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