Morre-se sempre demasiado. Apavora a dor no meio de tanta tristeza, a possibilidade de progresso dispersa em cada ser que se afasta do mundo; teremos capacidade de resistir, perdidos em angústia, com a morte a bater-nos à porta sem pedir licença? Sabemos bem que se morre demasiado em todo o mundo e que tal maldição nos atinge a alma e nos retira toda a exultação. Somos mais melancólicos que nunca; o luto continuará a ser um estado de alma.
Todavia, sabemos, o homem não é só vida. Tem consigo uma preciosa sobrecarga (a existência) que lhe permite questionar-se a si mesmo e ao mundo que lhe possibilita descobrir coisas, fixá-las, rememorá-las, ordená-las e usá-las em seu proveito. E na medida em que gere sentimentos, colorindo o mundo com a afetividade, situando-se no tempo e no espaço, sabendo de si e dos outros, consegue ex-sistere; estar fora a partir do que vem de fora.
Os instintos constituem forças propulsoras brutas e cegas, que tendem a apropriar-se do objeto de desejo; apesar da inteligência, ou das forças que as movem, «realizam-se na luz da consciência, precisam de tempo de reflexão e não são imediatas como as forças instintivas.»
O colorido voluptuoso dos acontecimentos não se esgota, no entanto, no seu significado imediato, ei-lo que evolui e se ergue altruisticamente para os patamares simbólicos da ética e do amor. Teologicamente, simboliza o amor do Criador pela criatura. No Novo Testamento, o ágape é uma destas formas de amor; faz o homem amar o seu semelhante por aquilo que ele é e não pela sua beleza nem por aquilo que dele pode receber.
Aliás, a angústia existencial aproxima-se da vertiginosa liberdade ante o nada da não existência; de algo que ainda não veio e que é ainda uma promessa na medida do tempo sempre desconhecida, ao sabor do destino. «O homem é um ser para a morte», no dizer de Nietzsche.
O amor está antes da palavra e, por outro lado, resulta dela; tocada pela razão e pelo afeto conduzirá ao horizonte mítico do homem, emergindo assim do imaginário. O amor não existe sem corpo e falar deste é moldar a substância material da existência, fala-se através do corpo, pensa-se e escreve-se através do corpo. Sabemos que o corpo tem alma que não pode ser medida.
No diálogo com o mundo, misturam-se as vozes; a não existência. E esta fere com acutilância a energia vital. As verdades são sempre provisórias; e a morte termina o diálogo com o si mesmo; ai de nós.
2021.05.08
|
Nota da Unicepe:
Texto na morte de seu marido Eurico Cabral.
EURICO DIOGO CARLOS VELOSO DE ARAÚJO CABRAL nasceu em 1929-03-14.
Foi aluno do Colégio Militar, onde fez toda a escolaridade primária e secundária.
Licenciado em Engenharia Química, na Universidade de Lausanne, Suíça, com 19 valores.
Faleceu em 2021-04-17.
|