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Índice:

131 - O DESPOTISMO EUROPEU

130 - A CAPITULAÇÃO DA PRIMAVERA SOCIAL

129 - PORTUGAL ESMORECIDO

128 - TERMINOU A VII CIMEIRA DAS AMÉRICAS

127 - O DECLÍNIO DO VENERÁVEL

126 - DA SATURANTE SERVIDÃO

125 - EUA: RESPONSABILIDADE E UTOPIA

124 - ONU: PORTUGAL NO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS

123 - CESSA O EMBARGO A CUBA

122 - GOLDFINGER & CIA

121 - Dilma Rousseff inicia segundo mandato

120 - OBAMA REFORÇA A IDEOLOGIA

119 - O PESADELO LÚCIDO

118 - DA APOLOGIA DO MEDO

117 - QUO VADIS, EUROPA

116 - ABRIL

115 - PAZ E DIPLOMACIA

114 - A Alquimia da vontade

113 - KIEV – PRAÇA DA INDEPENDÊNCIA

112 - A RECONSTRUÇÃO DO MUNDO

111 - 2014, odisseia na Europa

110 - Mandela

109 - MÁRIO SOARES RESGATA O PATRIOTISMO

108 - ONDJAKI A secreta magia dos gritos azuis

107 - A COLINA DERRADEIRA

106 - UM PAÍS IMPREVISÍVEL

105 - POWER AFRICA

104 - DA OCIDENTAL PRAIA LUSITANA

103 - QUE AGORA JÁ NÃO QUERO NADA

102 - UM CONSENSO ABRANGENTE

101 - NEM FORMOSO NEM SEGURO

100 - AMERICA THE BEAUTIFUL

99 - UM PAÍS ENCANTADO

98 - CANÇÃO PARA AS CRIANÇAS MORTAS

97 - FILOSOFIA DA MISÉRIA

96 - OBAMA NA PRESIDÊNCIA

95 - NOBEL DA PAZ DISTINGUE UNIÃO EUROPEIA

94 - RESILIENCE

93 - ÓDIO

92 - TEAPLOT

91 - VIAGEM DOS AVENTUREIROS DE LISBOA

90 - FERNANDO PESSOA / PROSA DE ÁLVARO DE CAMPOS

89 - A FARSA DO INSTÁVEL

88 - FUNDAÇÂO JOSÉ SARAMAGO

87 - OBAMA ON THE ROAD

86 - O FUROR DA RAZÃO

85 - Geografia do Olhar

84 - ESTOICISMO COERCIVO

83 - O TRAMPOLIM DA LINGUAGEM

82 - NO PAÍS DAS UVAS

81 - ODE À ALEGRIA FUGITIVA

80 - A VIRTUDE DO AMOR

79 - ANGOLA - Metáfora do mundo que avança

78 - Clarabóia

77 - Indignados

78 - APRESENTAÇÃO DE "ORNATO CANTABILE" E "MAR SALGADO"

75 - 11 DE SETEMBRO, 2011

74 - OSLO

73 - Viver é preciso

72 - O grito da garça

71 - MORTE EM DIRECTO, NÃO!

70 - ALEA JACTA EST

69 - CONFRONTO - Porto 1966 - 1972 - Edições Afrontamento

68 - PARVOS NÃO, ANTES CRÉDULOS

67 - DA PERTINÊNCIA & DO ABSURDO

66 - MORTINHOS POR MORRER

65 - VENHA BISCOITO QUANTO PUDER!

64 - VERDADE E CONSENSO

63 - LEAKING MANIA

62 - SESSÃO DE LANÇAMENTO NA LIVRARIA BUCHHOLZ

61 - UMA APAGADA E VIL TRISTEZA

60 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E POLÍTICAS

59 - NO DIA DE PORTUGAL

58 -FERREIRA GULLAR- PRÉMIO CAMÕES 2010

57 - BENTO XVI - PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO /LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 - THE GRAPES OF WISDOM

51 - Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM ? o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil?

39 - FILOMENA CABRAL, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN ? Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL ? OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES ? Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz- te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA ? O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 -Ruralidade e memória

05 -Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implicauma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezesda actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todosos acontecimentos são pseudoeventos, cruzando- se formas discursivasem que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma práticajornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectivacultural especifica ou informativa, numa área não suficientementerígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        18 de julho 2015



O DESPOTISMO EUROPEU


Por Filomena Cabral




«O Não é uma vitória da Europa»

Varoufakis

A inquietação aumentara, nas últimas semanas. No entanto, desde o célebre dia do Oxi, o povo grego, que procedera a assombrosa catarse enquanto se preparava para o referendo, em dispêndio de energia descomunal, festejando, delirante, a libertação de uma situação caótica, a um nível ainda não presenciado, em directo e em tempo real - suicidário, tresloucado de desespero, exigia a suspensão da austeridade - demolidora, segundo se vai concluindo, da economia e do desenvolvimento -, exigia condições mínimas de sobrevivência e dignidade humanas, a discussão democrática na zona Euro, tudo na esperança de caminhos alternativos. A perturbação, qual nuvem corpórea de Caos e Cronos, deuses primordiais, desprendendo-se dali, irradiaria, cobriria a restante Europa.

A tentação de exercer a autoridade, de modo imperialista, pode ter dado início a uma nova forma de estar: no projecto europeu parece não haver espaço para a democracia em pleno, a soberania dos países apanhados na teia dos mercados aparenta ser negligenciável, quando sabemos que o descalabro político surge além e aqui. Durão Barroso entendia (há uma semana) ser irracional da parte dos gregos e da EU que se não encontrasse solução, classificando a situação vivida na Grécia cenário de terror, por não se conhecer o futuro imediato. E vem, creio, a propósito a frieza de ânimo do Chefe de Estado Português, na mesma altura: entregando-se a aritmética elementar, divagava, restringia já os Estados da união monetária, irresponsabilidade até, se mo permitem: o mal alheio pode ser o nosso futuro mal.

Não é possível a ilusão, na Europa de 2015: o autoritarismo voltou à superfície, andou sufocado durante décadas, a Grécia, pela desmesurada calamidade, serviu de espelho, voltámos a ver o que quase esquecêramos, embalados na Ode à Alegria, situados numa Europa a que foi atribuído o Nobel da Paz. A amargura parece ter regressado e torna-se impossível supor que, uma vez mantida a estabilidade no Leste europeu, a restante Europa irá assegurando o equilíbrio, embora sem grandes ilusões, o mundo sempre em mudança: «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades», décadas de acalmia não garantem perenidade, confirmam sim uma possibilidade, a da confluência de vontades, quando empenhadas num projecto comum. Todavia, situações sufocadas atingem, por vezes, um ponto de não retorno, a economia da Grécia já foi considerada a maior dos Balcãs.

Entretanto, esperava-se a decisão do Grupo Europeu (nenhum português ou não português que se preze se alienara do problema), relembrei declaração do primeiro-ministro grego, Tsipras: «Não há situações fáceis, mas situações viáveis», num realismo doloroso. E o povo grego continua à espera da sentença do BCE e da Comissão, o governo de Atenas aguarda ajuda, entregue que fora no dia 8 o pedido formal de um terceiro pedido de resgate à Grécia para os próximos três anos (poderia custar 50 mil milhões), sem garantias, pedia-se avaliação do risco, defendendo a estabilidade do euro; em conjunto com o FMI, seria estimado «se a dívida pública grega é sustentável», aspecto negado pelos credores. Com sinais contraditórios, aguardava-se a decisão da cimeira europeia de ontem, Domingo.

De facto, o pedido grego representa o reverso da situação anterior: em vez de um empréstimo, pede-se um resgate, o que implica outras condições. O primeiro-ministro Tsipras e o novo ministro das finanças, Tsakalotos teriam abdicado da reestruturação da dívida, embora se mantenha a possibilidade. A ambos parecem destinados os trabalhos de Hércules. De qualquer modo, enquanto gregos, possuem na sua memória genética grandes batalhas. Criadores da tragédia, dominam a comédia da vida, numa estratégia de resistência que lhes evitará males inultrapassáveis, intuem que o tempo flui, qual rio, têm consciência de si e do que representam no mundo, embora a orbe ande desavinda, tomada pelo desacerto dos povos. Erguem-se muros, na Europa velha - muralhas do século XXI -, a perplexidade logo substituída pelo temor. Algo se desenha no futuro próximo, mas muitos de nós jamais acreditámos numa Europa unida, em irmandade, em paridade. No mundo de hoje, quem não atropelar é pisado, reduz-se o espaço da generosidade, o banal domina. O amor continua triunfante, embora poucos se atrevam a amar o outro como a si mesmo. A agressividade está na ordem do dia, muitos preferem morrer, por terem deixado de crer na vida. Deste estado mórbido se livraram os gregos, pela formidável catarse. Morrer-se-á hoje menos, por lá, noticiados suicídios (e muita desgraça escondida)? Desconheço. Se alguns sucumbem de carência, outros entabulam diálogo com a Parca, aliciando-a, andará atarefada, desdenhosa até: na actualidade parece ser bem mais doloroso pensar na vida que na morte.

Viver parece ser moléstia incurável, quando, apesar de tudo a humanidade continua a ser uma realidade histórica. A sociedade humana não sofre passivamente a presença da Natureza, retoma-a antes nas suas mãos. Na história humana, o domínio sobre o mundo é limitadíssimo, assumindo, segundo o contexto económico e social, valores diferentes. Na história humana, o domínio do mundo nunca se define, é melhor ter demais que não ter o bastante, o poder sempre esteve do lado do numerário; os gregos estão longe de ser um povo «miserável», por não se cingir a Grécia aos dependentes: país riquíssimo, culturalmente, possui os seus nababos e poder militar (oxalá se mantenha sensato, bastaria que um marechal tivesse um pesadelo, acordasse saturado da arrogância de Estados da zona euro em relação ao seu país…) Que os deuses adocem os sonhos dos homens, livrando da tentação do poder homens de Estado poderosos: na actualidade, vive-se o presente e pensa-se no futuro, não se olha para trás, quando o passado, a História, ensinando, previne: com a guerra civil grega começaria a guerra fria.

Mas centremo-nos no destino grego, na actualidade: líderes europeus, na célebre cimeira de 72 horas, deixavam cair a proposta de saída da Grécia do euro. Todavia, exigir-se-ia a criação de um fundo de bens patrimoniais. As conversações continuaram pela madrugada de Segunda, discutia-se uma «Proposta de Compromisso» para novo resgate à Grécia, segundo o porta-voz do Conselho Europeu. O princípio de entendimento fora alcançado durante uma reunião bilateral que juntara o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, a chanceler alemã, Angela Merkel, o Presidente francês, François Hollande e o presidente do Conselho, Donald Tusk – comunicavam.

Entretanto, o 3º resgate, no valor de 58 mil milhões de euros, será uma realidade. Todavia, para milhares de gregos, o dia seguinte nada concede. Espera-os mais austeridade. Entretanto, prepara-se ajuda imediata, o resgate não poderá ser concedido a um povo exaurido, sem forças, logo não produtivo, desiludido, logo desmotivado, os bens essenciais terão de ser disponíveis, para salvar a face do Conselho Europeu; para que não fiquemos todos indiferentes à dor alheia: a Grécia, berço de toda a civilização ocidental, local de origem da democracia, da filosofia e literatura ocidentais, da historiografia, da ciência política, das artes cénicas ocidentais, incluindo a tragédia e a comédia, acaba de encenar a sua tragédia sob o olhar do mundo.

Que o que vimos nos sirva de lição, sobretudo a humilhação dos helenos, mas acautelemo-nos até dentro de portas. A Europa degrada-se, um ódio mortal parece atingir todos, à Ode à Alegria falta consonância. «Os malvados que têm sucesso são insuportáveis», no dizer de Ésquilo, o pai da tragédia; e aumentaria o número de personagens nas peças para permitir o conflito. Até ali, as personagens interagiam apenas com o coro. Hoje, o coro incorpora quem dele quiser fazer parte. Eu, como muitíssimos outros, quero, sempre quis, assim todos os homens e mulheres responsáveis: «o povo grego não pode pagar com sangue.»



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