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Índice:

158 - TRAUMA NACIONAL

157 - PSD - As Paixões da Alma

156 - SAMPAIO DA NÓVOA NA UNESCO

155 - PROBIDADE E LIDERANÇA

154 - O SAMOVAR DE RASPUTINE

153 - MONEY, MONEY, MONEY

152 - TEMPO DE CÓLERA E MEDO

151 - VAIAMOS IRMANA, VAIAMOS FOLGAR

150 - MACRON: FRANCE ET USA FOREVER!

149 - DESPOVOAMENTO E PERIGOSIDADE

148 - AS SUICIDAS

147 - O CONVIDADOR DE PIRILAMPOS

146 - «AMERICA FIRST»

145 - NUMA NOITE DE INVERNO

144 - DA IDEOLOGIA DO TEMPO VIVO

143 - O ADIAMENTO É PREFERÍVEL AO ERRO

142 - USA: SEX, LIES AND VIDEOTAPE

141 - GOODFELLAS

140 - BARACK OBAMA EM HIROSHIMA

139 - PALMIRA RESGATADA

138 - INQUIETUDE

137 - PRESIDENTE DIRIGE-SE À NAÇÃO

136 - SAMPAIO DA NÓVOA: LISURA E SOBRIEDADE

135 - DA ILUSÃO DO PROGRESSO

134 - EXASPERAÇÃO

133 - UMA CAMPANHA DISFÓRICA

132 - A CASA EUROPA

131 - O DESPOTISMO EUROPEU

130 - A CAPITULAÇÃO DA PRIMAVERA SOCIAL

129 - PORTUGAL ESMORECIDO

128 - TERMINOU A VII CIMEIRA DAS AMÉRICAS

127 - O DECLÍNIO DO VENERÁVEL

126 - DA SATURANTE SERVIDÃO

125 - EUA: RESPONSABILIDADE E UTOPIA

124 - ONU: PORTUGAL NO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS

123 - CESSA O EMBARGO A CUBA

122 - GOLDFINGER & CIA

121 - Dilma Rousseff inicia segundo mandato

120 - OBAMA REFORÇA A IDEOLOGIA

119 - O PESADELO LÚCIDO

118 - DA APOLOGIA DO MEDO

117 - QUO VADIS, EUROPA

116 - ABRIL

115 - PAZ E DIPLOMACIA

114 - A Alquimia da vontade

113 - KIEV ? PRAÇA DA INDEPENDÊNCIA

112 - A RECONSTRUÇÃO DO MUNDO

111 - 2014, odisseia na Europa

110 - Mandela

109 - MÁRIO SOARES RESGATA O PATRIOTISMO

108 - ONDJAKI A secreta magia dos gritos azuis

107 - A COLINA DERRADEIRA

106 - UM PAÍS IMPREVISÍVEL

105 - POWER AFRICA

104 - DA OCIDENTAL PRAIA LUSITANA

103 - QUE AGORA JÁ NÃO QUERO NADA

102 - UM CONSENSO ABRANGENTE

101 - NEM FORMOSO NEM SEGURO

100 - AMERICA THE BEAUTIFUL

99 - UM PAÍS ENCANTADO

98 - CANÇÃO PARA AS CRIANÇAS MORTAS

97 - FILOSOFIA DA MISÉRIA

96 - OBAMA NA PRESIDÊNCIA

95 - NOBEL DA PAZ DISTINGUE UNIÃO EUROPEIA

94 - RESILIENCE

93 - ÓDIO

92 - TEAPLOT

91 - VIAGEM DOS AVENTUREIROS DE LISBOA

90 - FERNANDO PESSOA / PROSA DE ÁLVARO DE CAMPOS

89 - A FARSA DO INSTÁVEL

88 - FUNDAÇÂO JOSÉ SARAMAGO

87 - OBAMA ON THE ROAD

86 - O FUROR DA RAZÃO

85 - Geografia do Olhar

84 - ESTOICISMO COERCIVO

83 - O TRAMPOLIM DA LINGUAGEM

82 - NO PAÍS DAS UVAS

81 - ODE À ALEGRIA FUGITIVA

80 - A VIRTUDE DO AMOR

79 - ANGOLA - Metáfora do mundo que avança

78 - Clarabóia

77 - Indignados

78 - APRESENTAÇÃO DE "ORNATO CANTABILE" E "MAR SALGADO"

75 - 11 DE SETEMBRO, 2011

74 - OSLO

73 - Viver é preciso

72 - O grito da garça

71 - MORTE EM DIRECTO, NÃO!

70 - ALEA JACTA EST

69 - CONFRONTO - Porto 1966 - 1972 - Edições Afrontamento

68 - PARVOS NÃO, ANTES CRÉDULOS

67 - DA PERTINÊNCIA & DO ABSURDO

66 - MORTINHOS POR MORRER

65 - VENHA BISCOITO QUANTO PUDER!

64 - VERDADE E CONSENSO

63 - LEAKINGMANIA

62 - SESSÃO DE LANÇAMENTO NA LIVRARIA BUCHHOLZ

61 - UMA APAGADA E VIL TRISTEZA

60 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E POLÍTICAS

59 - NO DIA DE PORTUGAL

58 - FERREIRA GULLAR- PRÉMIO CAMÕES 2010

57 - BENTO XVI - PALAVRAS DE DIAMANTE

56 - O 1º DE MAIO / LABOR DAY

55 - BULLYING E KICKING

54 - O AMOR EM TEMPO DE CRISE

53 - FÁBULAS E FANTASIAS

52 - THE GRAPES OF WISDOM

51 - Do Acaso e da Necessidade

50 - deuses e demónios

49 - CAIM ? o exegeta de Deus

48 - Os lugares do lume

47 - VERTIGEM OU A INTELIGÊNCIA DO DESEJO

46 - LEITE DERRAMADO

45 - Casa de Serralves - O elogio da ousadia

44 - FASCÍNIOS

43 - DA AVENTURA DO SABER , EM ÓSCAR LOPES

42 - TOGETHERNESS - Todos os caminhos levaram a Washington, DC

41 - Entrevista da Prof. Doutora Ana Maria Gottardi

40 - I ENCONTRO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA DE ASSIS, Brasil?

39 - Filomena Cabral, UMA VOZ CONTEMPORÂNEA

38 - EUROPA - ALEGRO PRODIGIOSO

37 - FEDERICO GARCÍA LORCA

36 - O PORTO CULTO

35 - IBSEN ? Pelo TEP

34 - SUR LES TOITS DE PARIS

33 - UM DESESPERO MORTAL

32 - OS DA MINHA RUA

31 - ERAM CRAVOS, ERAM ROSAS

30 - MEDITAÇÕES METAPOETICAS

29 - AMÊNDOAS, DOCES, VENENOS

28 - NO DIA MUNDIAL DA POESIA

27 - METÁFORA EM CONTINUO

26 - ÁLVARO CUNHAL ? OBRAS ESCOLHIDAS

25 - COLÓQUIO INTERNACIONAL. - A "EXCLUSÃO"

24 - As Palavras e os Dias

23 - OS GRANDES PORTUGUESES

22 - EXPRESSÕES DO CORPO

21 - O LEGADO DE MNEMOSINA

20 - Aqui se refere CONTOS DA IMAGEM

19 - FLAUSINO TORRES ? Um Intelectual Antifascista

18 - A fidelidade do retrato

17 - Uma Leitura da Tradição

16 - Faz- te à Vida

15 - DE RIOS VELHOS E GUERRILHEIROS

14 - Cicerones de Universos, os Portugueses

13 - Agora que Falamos de Morrer

12 - A Última Campanha

11 - 0 simbolismo da água

10 - A Ronda da Noite

09 - MANDELA ? O Retrato Autorizado

08 - As Pequenas Memórias

07 - Uma verdade inconveniente

06 - Ruralidade e memória

05 - Bibliomania

04 - Poemas do Calendário

03 - Apelos

02 - Jardim Lusíada

01 - Um Teatro de Papel


Entendo que todo o jornalismo tem de ser cultural, pois implicauma cultura cívica, a qual não evita que, na compulsão, quantas vezesda actualidade, se esqueçam as diferenças.

No jornalismo decididamente voltado para a área cultural, todosos acontecimentos são pseudoeventos, cruzando-se formas discursivasem que as micropráticas têm espaço de discussão.

Não sendo um género, o jornalismo cultural é contudo uma práticajornalística, havendo temas que podem ser focados numa perspectivacultural especifica ou informativa, numa área não suficientementerígida, embora de contornos definidos.

Assim o tenho vindo a praticar ao longo dos anos, quer na comunicação social quer, a partir de agora, neste espaço a convite da 'Unicepe'.

Leça da Palmeira, 23 de Setembro de 2006

        2018-03-24

TRAUMA NACIONAL

Por Filomena Cabral



«Dentro na minha vontade/não há momento do dia/
Que não seja tudo terra;/ora ponho a culpa ao tempo/
ora a torno a pôr à noute./ No melhor pôs-se-me o sol.»
Bernardim Ribeiro

Desde o Verão passado, o caminhar de tantos levou-nos aos mesmos lugares - ainda que em pensamento -, os do trauma, dos incêndios, as imagens ficaram em nós; todavia, os momentos vividos nas tragédias ígneas serão o pesadelo que ninguém pretenderia ter; mas aconteceram, serão inolvidáveis, assim em todos os desastres pessoais e colectivos. Refiro-me, por evidente, aos fogos de junho e outubro de 2017.

Curiosamente, ao contrário do que poderia supor-se, o tempo não dilui a amargura, limita-se a transformá-la, concedendo-lhe novas facetas porventura mais angustiantes. Passado o choque, refeitas energias, a angústia pela incerteza da vida, o vazio deixado pelo perdido tornarão o futuro marasmo inevitável. É este o problema incontornável nas tragédias pessoais ou colectivas: uma vez verificadas, o sujeito cai numa espécie de desvario anímico, a ânsia corroendo; os dias parecem-lhe intermináveis, as noites empurram-no para o desalento silencioso; e deixará de mencionar tais ocorrências nefastas, uma vez que o impulso vital foi afectado : algo se perderá, forçosamente, para assegurar o indispensável, e este varia conforme a necessidade.

A subjectividade da História é marcada pela transmigração do eu, e assim se vai redefinindo a identidade no devir: o eu do presente pode confundir-se com o do passado, assimilar-se-lhe, numa dialética interminável.

O desejável seria uma linha de continuidade nos seres - se por bem -,nos países ou entre países, mas sabemos que é sonho impossível, o paradigma está sempre a mudar, até entre nós; uma Europa de pátrias pretendeu tornar-se una, pátrias nascidas do sonho, aventura, zelo, rumo ao devir, que foi - entretanto -, passado. É trágica a narrativa humana. No quotidiano talvez nos iludamos - uma vez que todos (?) temos ou tivemos momentos ou fases de felicidade -, todavia, rememorando, a lembrança deixou de ter a si ligada a fantasia.

Escrever sobre Portugal - ainda que incidindo em acontecimentos tão tristes, a morte de 118 pessoas - e infinitamente mais os psicologicamente afectados -, torna possível a osmose entre muitos de nós e o texto. Sempre nos interrogaremos sobre a Providência divina, tentação em que não cairemos decorridos meses sobre as tragédias, devemos sim exorcizar a hostilidade, jamais saberemos de quem. E não esqueçamos: todo o escândalo cumpre a função de distrair do essencial.

Comprova-se um clima mental que se foi instaurando, o trauma das desgraças atordoa, mesmo que tentemos libertar-nos dele, enquanto portugueses: vivemos rodeados de espasmos telúricos, cinzas encobrem os céus, quais mantos de chumbo; nem os insectos zumbem, sequer os pássaros voltejam: a natureza sensível partilha de momentos dramáticos: nas áreas ardidas, aves e rastejantes, colmeias desapareceram, sem regresso nos anos mais próximos, talvez não antes de meados do século.

E, no entanto, os defuntos são agora alheios a peripécias terrenas: de nada beneficiam, o pesadelo é para os vivos, sempre.

Na sextina de Bernardim em epígrafe, o movimento é descendente, em direcção à terra. A terra, no poema de Bernardim, é caracterizada como possuindo uma força activa e negativa, existindo nos seus próprios termos, e opostos à força positiva que a vontade perdida tornou inacessível: é a perda de uma iluminação interior, previamente alcançada, no caso através da amante, entretanto morta, que leva Bernardim a falar, criar: uma morte que não foi causada, nas que foi tornada irreversível.

«Ao longo da ribeira/ que vai pelo pé da serra,/ onde me a mim fez guerra/ grande tempo o grande amor,/ me levou a minha dor./ Já era tarde de um dia/ a água dela corria/ por entre um arvoredo,/ onde às vezes ia quedo/ o rio, às vezes não./Entrada era do Verão, quando começam as aves/ com seus cantares suaves/fazer tudo gracioso.»

Mas o sentimento do poeta é elegíaco e não idílico. O que foi a paisagem do amor é agora a paisagem da ausência do amor. Reencontrar-se nela, levará o poeta a reviver todas as suas «querelas» e desejar a morte pelo que ali passou e continua a acontecer. O locus amoenus é afinal o espelho da morte, e o processo desencadeado pela presença do poeta, de Bernardim, começa a desfilar diante de si.

A lembrança, trazida pela fantasia para que recordemos os que morreram, faz com que respiremos: assim nos empurramos para a morte. O País está doente, é demasiado pequeno para salvaguardar-se emocionalmente, em atitude salvífica, de um acontecimento desta dimensão, estamos sempre a ouvir, a ler sobre o mesmo, por um ou outro motivo. Apesar de terrível, esta não foi a maior tragédia portuguesa de todos os tempos; acontece que sucedeu quando o nosso espaço geográfico, que já foi diminuto nos primórdios da nacionalidade, e gigantesco «por perigos e danos esforçados», vem congregando competências para acertar o passo com a UE.

E já que aludi aos primórdios da nacionalidade, recordemos o «morabitino de Maio», altura do ano em que aos que limpassem o fosso - a fronteira, ao tempo - de matagais e peçonhas, cortando, queimando, evitando que se acobertasse no barranco o inimigo, assim evitando lástima, era pago «o morabitino de Maio», isto ainda pelo tempo de D.Sancho II, no segundo século do primeiro milénio.

Fundado a partir do Condado Portucalense, em 1139, durante a reconquista cristã, o Reino de Portugal, nascido entre os rios Minho e Douro - como todos sabemos -, estabilizaria a demarcação em 1297, fazendo de Portugal o país europeu com as fronteiras mais antigas. Em 1211, no reinado de D. Afonso II, quando se reuniram as Cortes em Coimbra considerada o centro do país, o morabitino era a moeda corrente.


Por coincidência, não por acaso, a governança - na pessoa dos Chefes de Estado e do Governo, alguns mais - chamou a si a missão de contribuir, por um dia - neste Sábado 24 -, de modo simbólico, não na limpeza do fosso fronteiriço, exemplificando todavia política que reforce a entreajuda nacional, prevenindo calamidades: todos somos sujeitos ao desaire, à perda. As vidas podem ser e são diferentes, mas o fim será sempre o termo do que conhecemos e prezamos. Quem ama cuida.

Dado que a História não é rectilínea e tem derivas, estabelecer-se-á ainda nexo com a actualidade quando, por decisão governamental, será remunerado - não com morabitinos ou escudos - quem cuidar dos terrenos, evitando novas catástrofes.

A História ensina, avisa, em muitas matérias, é alfobre de sageza; sejamos atentos.

«Ao longo da ribeira/ que vai pelo pé da serra (...)/ me levou a minha dor/ já era tarde de um dia(...)»



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