De audaciosos passámos a precavidos, a vida valorizada como jamais em todo o mundo. A consciência de que os extremistas deixaram de estar na moda, leva-nos a reavaliar o mundo, até a História: já não somos «fortes, fiéis, façanhudos, fazendo feitos famosos…» Agora, o melhor a fazer é isolarmo-nos. E lamentamos que não haja ilhas desertas, se bem que de pouco servissem, andamos todos carentes do outro que talvez se sinta carente de nós – mas de nada poderemos estar certos. Na infelicidade do próximo, de máscara, alguns encontram compensação, ainda que sujeitos aos mesmos desaires (nem merece a pena mencioná-los.)
Todavia, o isolamento resulta em não consciência de nós, em relação aos outros – e o inverso também se aplica. Ficámos presos a noticiários repetidos até à náusea, os gráficos da peste sempre a desenrolar-se pela positiva ou pelo seu inverso, afogando-nos em inquietação. E assim nos querem, para que sejamos mansos e disponíveis, em sucessão de cobaias garantindo a eficácia de meios, enquanto trememos por dentro: a credulidade não basta, quando a inteligência protesta.
A humanidade foi, de facto, apanhada numa teia cruel e sem pontos de fuga, pois sempre se anuncia a intensificação possível do desespero ou da esperança – subordinada à crença; e o tempo decorre, estando nós certos de que jamais regressa: a clepsidra foi derrubada e verte constantemente… E se alguns pensam que daqui a poucos anos a peste terá sido controlada, a muitos outros tal é absolutamente indiferente, pois que em meia dúzia de anos talvez a vida se lhes tenha ausentado.
Há dias, aterrámos em Marte, levando-nos a pensar que se intensificou a ideia de «mundos alternativos.» Na Idade Média, o restante orbe deu-nos alento para meia dúzia de séculos que, ainda há pouco, nos pareciam pequena eternidade: desvendáramos mundos e ainda acreditávamos na encruzilhada de perigosas escolhas… E quem nos diz que a pandemia não contribuirá para o enfraquecimento do sentido de vontades da unidade europeia e ocidental, porta aberta para o regresso de demónios interiores que noutras alturas conduziram ao desastre os poderes europeus, agora que a esperança vai sendo destruída atingindo, quem saberá, a dignidade internacional, apesar da UE.
Não será necessário um espaço de meditação, a leitura dos grandes líderes da unidade, a cuidadosa escolha de lideranças apenas comprometidas com a exemplaridade? As eleições para a Presidência reelegeram Marcelo Rebelo de Sousa, para tranquilidade de todos: para além da sabedoria indubitável, representa, internacionalmente, o nosso venerável País e os povos para sempre ligados à gesta: connosco conservam relacionamento, em domínios vitais. O mundo que fala português é ainda o nosso mundo sendo, indubitavelmente, o deles. Todavia todos apanhados na armadilha pandémica, correndo o risco de conceder prevalência a modos de estar e ser que ainda nos não ocorrem. Todavia, podemos acreditar que a memória do presente desfigurará relacionamentos futuros. A pandemia não destrói somente a vida e capacidades, a pandemia retirou-nos a capacidade de sonhar.
De há um ano a não imaginamos quando, viveremos a prazo. Basta isto para matar por dentro, precisamente o lugar onde se refugia o termo da vida.
«Alea jacta est…»
2021-03-07