Uma das características dos espanhóis é a energia com que
falam, como se tivessem acabado de pôr pilhas novas. No
entanto, a visão que cada visitante tem de um dado país é
totalmente subjectiva e é esse o encanto dos livros de
viagens.
No livro de Júlio César Machado, “EM HESPANHA, Scenas de
viagem”, de 1862, descreve os espanhóis assim: «continuavam
a passear lentamente como de tarde, como á noite, e como de
madrugada, segundo já lhes contei; não sei se vão em
extasi, se com pachorra, mas de vagar vão sempre: já ouvi
dizer que n’outro tempo a preguiça dos hespanhoes era tal
que não se podia alcançar da gente de Madrid o varrer a rua
na frente da sua porta, e que os padeiros que levavam pão á
cidade não saíam das aldeas em chovendo, sendo preciso
sempre mandar-lhe lá a justiça. O doce far niente que anda
de ordinário attribuido aos italianos tem pois também para
os hespanhoes suas razões de encanto, e, se já varrem as
ruas, e os padeiros saem já com chuva, vão, todavia,
devagar… mesmo quando chove.»
Apesar da energia com que falam, isto que aqui se diz não é
falso. A sensação que tenho ao vê-los nas ruas, nas
esplanadas, nos cafés, nas compras, é de que não têm
pressa, ou não trabalham, ou estão de férias, enfim, que
têm todo o tempo do mundo. Não vejo isto como preguiça, mas
como forma convivencial de estar na vida. As ruas, praças e
largos estão sempre cheias de… espanhóis! Para nós é
surpreendente, que vemos a nossa capital invadida por
estrangeiros, sendo que isso não é necessariamente mau,
visto que foram eles que trouxeram vida a uma cidade que
esmorecia e desaparecia ao pôr-do-sol. O problema foi o
exagero. Sempre gostei de ouvir falar estrangeiro em
Lisboa, mas actualmente é como se a cidade tivesse sido
assaltada na nossa ausência. Nada contra turistas, é apenas
uma questão de número, de equilíbrio, de habitabilidade.
Estamos transformados num Parque de diversões para
turistas.
Isto não acontece em Madrid, os madrilenos ocupam todos os
espaços, e os turistas são em número aceitável, pelo que
não têm de competir com eles. A cidade pertence a quem lá
vive e claramente eles vivem na sua cidade.
Quanto a nós, quando cá vivíamos sem hordas de turistas
aqui despejados, escondíamo-nos, a Baixa era uma cidade-
fantasma, e agora que a cidade se abriu para os habitantes,
os habitantes não somos nós. Não acredito que trabalhemos
mais do que os espanhóis, qual será o seu segredo para
parecerem estar permanentemente em férias, a viver a vida,
a conviver uns com os outros… na sua cidade?
No Porto, em que sempre encontrei parecenças com Madrid e
Londres, sendo que cada cidade tem as suas
particularidades, sente-se mais este carinho por estar na
rua com os outros, sem pressa. A zona Ribeirinha já está
muito descaracterizada em termos humanos, por causa do
excesso, mas o resto da cidade vai sobrevivendo ao negócio
turístico.
Será Madrid um Paraíso? Não, não é, tem também os seus
problemas, nomeadamente pessoas sem-abrigo a dormirem nas
ruas. Se lá for o Papa, talvez os retirem temporariamente,
para fingir que não existem, mas seria só mascarar as
dificuldades dessas pessoas; assim, a chaga está à vista.
Têm as suas contradições.
Estive lá em pleno período eleitoral, e no domingo, dia de
eleições, ainda lá estávamos. Os cartazes dos partidos são
discretos e não conflituam com a paisagem, nada daqueles
enormes cartazes a inundar rotundas durante meses e meses
depois das eleições, e apenas uma vez fomos abordados por
alguém a distribuir discretos panfletos de um dos partidos.
Vi duas paragens de autocarro grafitadas contra um dos
candidatos, coisa discreta, e nada mais. Quem não soubesse,
não se aperceberia do momento eleitoral. E, no entanto,
sabemos como foi participado, discutido e acalorado.
Para além da existência dos sem-abrigo, apenas mais um
episódio arrefeceu corações: no metro havia dois leitores,
um lia um livro em espanhol e outro em francês, de vez em
quando faziam uma pequena tertúlia sobre o que estavam
lendo, em português. Isto não provocou o mínimo interesse a
quem se encontrava na carruagem, porque todos, mas todos
mesmo, estavam debruçados sobre aquilo que já vai sendo uma
extensão do humano a caminho de vir a ser transumano. Em
cada mão, uma máquina, em cada par de ouvidos uns fones. Cá
também acontece, talvez ligeiramente menos. Estávamos tão
encantados com as árvores que se estendem por toda a cidade
a ponto de não haver uma rua não arborizada, que nos
esquecemos do outro lado do espelho.
Saímos do metro e continuámos a passear lentamente pela
cidade.
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