«[…] E haveria 26 mil casas, todas as famílias que viviam em condições indignas chegariam aos
50 anos do 25 de abril com casa reabilitada ou construída – quatro anos depois, faltam os
tijolos onde se multiplicou a solenidade do juramento, os ministros com a tutela da habitação
estão sequestrados no governo, que lhes recusa o orçamento e a vontade política para
começar, e agora multiplica declarações enfáticas sobre o que sabe que não vai acontecer. Em
todos estes casos, eles sabem que não vão fazer, não vai acontecer, o tempo corre e o
problema se agrava. Portugal dói da mentira.[…]»
Francisco Louçã, in: Expresso, Março 2023.
Uma das variadíssimas histórias que recentemente tenho sido instada a repetir infinitas vezes,
passe a hipérbole, por um menino de três anos, meu obsessivo ouvinte, é a dos Três
Porquinhos. Suponho que o leitor a conhecerá. Numa das versões é a mãe, que achando que
eles precisam de ter a sua casa, os estimula a construí-la, no que não pode ser mais
pedagógica. Noutras é o mais velho, porquinho sensato, que aconselha os irmãos a fazerem-
no, dando ele o exemplo. Não serviu de muito o exemplo da sua construção com tijolos,
porque os dois irmãos não estavam para ter muito trabalho, sendo que um deles usou palha e
o outro madeira, para as suas casas. Acaba por se tratar de uma versão da fábula da cigarra e
da formiga, porque quando veio o lobo mau, estas duas casas, frágeis arcas de Noé, não se
mostraram à prova de vento, voando com a maior facilidade sob poderoso sopro do lobo, e o
que lhes valeu foi já estar construída a casa de tijolos do sensato irmão mais velho, aí se tendo
refugiado todos. Não valeu neste caso ao lobo o seu sopro, porque o mais que conseguiu foi
ficar sem forças, resolvendo então subir pela chaminé, acabando por queimar a cauda no
caldeirão da sopa que ali estava a cozinhar. A dor fê-lo fugir a toda a velocidade, nunca mais
tendo sido visto, até… à próxima leitura da história, onde não poderia faltar, por ser uma
personagem determinante para a narrativa. O lobo está, aliás, enquanto símbolo do mal, que
o mesmo é dizer-se, da sombra humana, presente em muitas outras histórias infantis, onde
não acaba bem, o que é o caso do Capuchinho Vermelho, onde o caçador lhe abre a barriga
que enche de pedras e ele tem seu fim afogado no rio devido ao peso nas entranhas. É claro
que já há quem queira reescrever também estas histórias, por causa do tal mundo perfeito,
que não almejado na realidade, se pretende fingir que existe na ficção. Como se as crianças se
impressionassem com o destino do lobo. Como alguém já disse, as crianças, e quanto mais
jovens mais isso ocorre, o que lhes e nos vale, é não terem poder, pois são os seres mais
psicopatas e narcísicos à face da terra, felizmente, porque se tiverem permissão para o ser na
altura certa, o que não acontece com muitos, têm a possibilidade de se tornarem adultos
estruturados, equilibrados e bondosos. Tal não ocorre com muita gente na razão proporcional
ao que foi a sua infância. Assim, é bom que o lobo seja mesmo como é e acabe como acaba,
para que os meninos e as meninas possam construir as suas referências, como me aconteceu
com as terríveis histórias (muito piores do que estas) que a minha avó me contou era eu ainda
muito pequenina e não fizeram de mim melhor nem pior do que a maior parte das pessoas,
mas contribuíram para que me tornasse imaginativa, escritora, e no meio dos meus muitos
defeitos, um ser humano dotado de algum grau de compaixão. Felizmente, na história dos três
porquinhos não faltaram tijolos, caso contrário o lobo teria enchido a barriga com três
porquinhos e o resultado teria sido muito diferente.
Não sei muito bem qual é o problema com os nossos governantes, porque andam a fazer tudo
ao contrário, mas talvez tenha sido falta de histórias terríveis em pequeninos, talvez as tenham
vivido eles no lugar das personagens tradicionais, porque qualquer criança sabe que sem
tijolos ou aquilo que em solidez o tijolo representa, não se fazem casas. Talvez uns bairros de
lata, não sei se é nisso que o Governo está a apostar. Casa onde não há tijolos é como casa
onde não há pão. “A paz, o pão, habitação, saúde, educação…”. A base… Lembram-se?
Lembras-te, Sérgio Godinho? Lembras-nos? Canta outra vez! Acorda-nos! Não, não estou a
referir-me ao movimento “woke”, cruzes canhoto!, isso seria sair dum sonho mau para entrar
num pesadelo… E não quero com isto afirmar que não têm todos o direito à diferença. Isso é
inquestionável. Que cada um faça com a sua vida o que bem entender, serei a primeira a
defendê-lo, mas preocupam-me os adolescentes e as crianças, a loucura em que estamos
prestes a entrar, em que alguns já entraram. Falarei disso oportunamente. Refiro-me a acordar
mesmo. “Wake”! Acordai! Acordemos! Para a realidade. Umas vezes dura, outras vezes crua,
outras solar. Assim é a realidade. Não é, Lopes Graça? Acorda-nos! Outra vez! O
adormecimento é uma tentação…
A passagem acima do texto de Francisco Louçã é apenas uma parte de uma análise dolorosa da
falta de respeito pelo povo, e cuja leitura integral recomendo. Quanto ao problema da
habitação e a falta de cumprimento das promessas, ou os disparates daí decorrentes,
recomendo, aos decisores, sessões pedagógicas em que leiam ou ouçam várias vezes a história
dos Três Porquinhos e algumas histórias tradicionais infantis, porque desconfio que a moda do
politicamente correcto os terá arredado das narrativas que têm alimentado a imaginação das
crianças sem lhes fazerem mal, pelo contrário. O que lhes faz mal é mesmo a realidade. E a
realidade é esta: Não há tijolos nem pão! Nem respeito por quem precisa deles.
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