2023-01-11
O SCRIPT, A TEORIA PROVOCATIVA, SATIE E OS PROPÓSITOS PARA O ANO


Risoleta C Pinto Pedro



Uma crónica emaranhada sobre o emaranhamento que é a vida. Bert Hellinger é a chave com que abro hoje a teia que a vida tece. Padre, teólogo, missionário, psicoterapeuta, passou por várias experiências como a terapia familiar e o psicodrama, até chegar à constelação sistémica e lentamente a ir transformando naquilo que é hoje: uma poderosa ferramenta de consciência e terapia sistémica, usada individualmente, ou em grupos como empresas, meio judicial, saúde, educação, com resultados inequívocos. De qualquer modo, não nasceu do nada. A teoria do script é um dos princípios subjacentes: a existência de uma espécie de guião a que obedecemos inconsciente e cegamente ao longo da nossa vida. Não pode ser confundido com destino, pois não se vê aqui uma origem transcendente no sentido do divino, mas uma espécie de princípio de fidelidade inconsciente aos que nos antecederam, ainda que nem sequer saibamos da sua existência. Um tipo de amor que perpetua os que já partiram, mas um amor que não liberta, antes acorrenta. Algo designado como “lealdades cegas”. Até que o seu poder oculto seja revelado. O que é que isto tem a ver com Erik Satie? É que nestas terapias atrás mencionadas podemos, por vezes, encontrar aquilo que se designa como atitude provocativa do terapeuta. Não é insultuosa nem desrespeitadora, mas abana. E esta ideia faz-me voar velozmente até Satie, que para além de compositor e músico, também escreveu, e que num dos seus irreverentes textos das Memórias de um Amnésico, escreve algo que cito de cor, mas muito fiel ao original. Contando (ou inventando…) o que lhe disse o seu médico, transcreve:

O meu amigo fume, fume! Se não o fizer, outro o fará por si!

Que sabedoria nesta irreverente ironia! Não adianta, a quem não pretenda emendar caminho, dizer-se-lhe o que deve fazer. É como se houvesse um guião que o impulsiona para o abismo. Se não for ele, será outro. Mas a teia que a constelação sistémica dá a ver mostra, sem julgamentos, de onde vem a obediência cega: de uma amor familiar equivocado que não liberta, mas destrói.

Uma querida amiga dizia-me, no outro dia, que tinha deixado de escrever os propósitos para o ano, que não valia a pena. No que concordei totalmente com ela. Deixemos os propósitos, passemos às práticas. Neste momento de reinício, quer faça ou não sentido que o estabeleçamos nesta data, momento importante quanto mais não seja pela tremenda egrégora que nesta passagem se cria, vale a pena olhar para trás, guardar tudo o que valeu a pena (e atenção!, que muita dor pode ter valido a pena pela aprendizagem), guardar a aprendizagem, agradecer à dor que nos desperta, desemaranhar os equívocos e elevar o amor que nos recria. Sentir a presença de todos aqueles sem os quais não seríamos ninguém e passar às práticas que possam contribuir para o bem geral. Sem nos esquecermos de incluir aquele que muitas vezes é esquecido: nós mesmos. Que vagueamos pela vida entre extremos: ora nos hipervalorizamos, ora nos desprezamos.


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