2022-12-21
DUAS AMIGAS E A ARRECADAÇÃO


Risoleta C Pinto Pedro





Não é, mas poderia ser, uma história de Natal. Passa-se numa arrecadação, lugar onde se guardam os sonhos, e fala de presentes escondidos numa Caixa de Pandora por uma vez não descontrolada, pelo contrário, muito ciosa do seu equilíbrio.

Podia ser só uma, neste caso são duas amigas que já há algumas vidas se vêm acompanhando, umas vezes mais próximas, outras mais à distância, mas sempre presentes na lembrança, como espelhos. Um dia foram a uma arrecadação onde tinham guardado, muitos anos antes, objectos de cuja natureza e conteúdo já não se recordavam. A porta da arrecadação ameaçava não colaborar, por isso foram munidas de ferramentas. Conseguiram retirar os parafusos e a maçaneta, ficando só o esqueleto, que também acabou por cair. A situação ainda estava pior do que antes, não havia nada por onde pegar, puxar, rodar ou empurrar. Restava o arrombamento, com faca, com ombros, com pés… nada resultou. Na divisão ao lado, uma janelinha aberta permitia ver, à distância, a estante guardadora das coisas esquecidas. Mas nada mais do que isso. Ponderaram entrar pela janela, mas era um pouco alta. Desistiram e já antecipavam segunda viagem à casa posta à venda e por isso a esvaziar. Quando, na dependência do outro lado, outra janela aberta mostrava, a ela encostada, a estante. Foi só estender a mão e todas as pastas, caixas e sacos se apresentaram disponíveis para reentrar no mundo delas. Já pouco faltava. Quase nada. Contentes, mas insatisfeitas, queriam mais, queriam tudo.

Nesse momento, a estante tombou e tornou novamente inalcançável o que já não era para alcançar. Nesse momento, um dueto de gargalhadas explodiu. Isto aconteceu, e ao mesmo tempo é uma metáfora. Da vida. Passamos anos a tentar arrombar portas, horas a desmontar mecanismos, a saltar por janelas de difícil acesso, e afinal… ali ao lado, uma janela aberta faculta tudo o que precisamos, na medida justa. Nem mais, nem menos. Ao risco de overdose, a estante desmaia, sorrindo. Se desencadear o riso em nós, está tudo salvo. Justo. Perfeito. Abençoadas sejam as casas e o que elas escondem, com sua misteriosa sabedoria.


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