2022-11-30
CARTA AO PAI NATAL SOBRE VIDA INDEPENDENTE


Risoleta C Pinto Pedro





Querido Pai Natal, há quantos anos não te escrevia? Na verdade, acho que nunca o fiz, foi sempre o Menino, por esta época, o meu destinatário, mas pareceu-me que para este assunto talvez fosse melhor recorrer a ti, pelo teu potencial diplomático. O Menino, com seus impulsos, a avaliar por aquilo que conta Alberto Caeiro, talvez não seja, para o caso, a pessoa indicada. Escolhi o mês de Novembro, pois presumo que em Dezembro já andarás demasiado ocupado a fazer embrulhos para perderes tempo com uma carta de alguém que nunca te ligou muito.

Saberás tu o que é a “assistência pessoal”? Alguma vez sentiste necessidade de algo com este nome? Admito que com tuas renas e todo o staff não te ocorra o que poderá sentir alguém cujo corpo exija o apoio suplementar de um ajudante. Há já algum tempo que ando para te escrever sobre isto, mas queria perceber melhor em que ponto estamos. Ainda não o sei muito bem, mas sei que são, neste momento, quase mil pessoas a beneficiar do projecto.

Começou por ser um projecto-piloto, já foi prolongado por duas vezes, mas não é confortável saber-se que é graças a uma boa vontade institucional que se prolonga, e não a uma garantia legal. Como projecto-piloto pode beneficiar dos apoios europeus, mas depois passará a depender exclusivamente do orçamento do Estado. Por outro lado, o universo a quem se destina passará a ser maior, a partir do momento em que deixe de ser-projecto-piloto. Isto acarreta uma espécie de sentimentos contraditórios: o desejo de que não termine e ao mesmo tempo de que alargue o seu espectro de beneficiários.

Tudo isto se baseia numa filosofia de vida independente que sustenta um movimento internacional surgido nos anos 70 nos Estados Unidos.

Para usar palavras de um poema de Olsa, meu querido amigo de longos anos e ele próprio beneficiário deste projecto-piloto, acrescentaria que é necessário irmo-nos despedindo com respeito, pois que nos acolheu durante milénios, mas decididos, de «Nix estrela/ obscurantíssima que dera vida/ a outro velho mundo», que é este ainda, e irmo-nos dirigindo a outra «extensa terra inédita/ um luminoso e vasto prado», onde todos serão independentes e solidários. Onde não será necessário suplicar por direitos, porque eles jorram como água de fonte natural, e onde a diferença é fonte de inspiração e não de dor. O CAVI, Centro de Vida Independente, apresenta, na sua página, informação detalhada, cuja consulta recomendo. O básico que todos precisamos de saber é que «para que exista uma verdadeira igualdade de oportunidades é, portanto, necessário assegurar que estas incapacidades sejam superadas através do apoio de uma terceira pessoa, que é Assistente Pessoal». As situações podem ir das de foro pessoal, ao lar, acompanhamento, condução, interpretação ou coordenação e ainda apoio em situação não esperada ou excepcional. A página apresenta-se muito bem articulada e com importante informação até para o grande público, como um demolidor de mitos. É o caso da confusão entre independência e auto-suficiência, sendo que ninguém é completamente auto-suficiente. Assim como a evidência, mas não para todos, de que não se pode poupar no que é essencial, numa sociedade que aspire à humanidade e à equanimidade, não deverá ser esse o critério.

Esta Associação tem-se batido pela defesa do direito à vida independente, e neste momento, embora tendo a garantia do governo de que a medida não acabará, não sabe em que moldes poderá vir a acontecer.

Foi a existência deste assistente pessoal que permitiu a Olsa participar, recentemente, num evento cultural onde a sua presença era importantíssima, e que se realizou há uns meses num segundo andar de um velho prédio sem elevador. Isto foi o que eu pude presenciar, mas imagino que ao longo do dia ocorra vezes sem fim a diferença entre poder e não poder, diferença que a existência deste assistente vai fazendo na vida de Olsa. Por isso, Pai Natal, e chamo-te assim como poderia chamar-te Ministro, Governo ou Secretário de Estado, mas a quadra que se aproxima assim me inspira, peço-te isto para mim. É o que quero no sapatinho. Não peço para eles, os que necessitam, pois seria absurdo pedir aquilo a que têm direito, mas vê lá se desta vez, ao menos uma vez, as leis se aplicam a quem se destinam e os dinheiros se dirigem a quem a eles tem direito. Que o projecto se amplie e passe a ser uma realidade inquestionável, que aqueles para quem foi disponibilizada formação possam fazer o que sabem e desejam, que mais se lhes juntem, o que é uma forma de pôr pessoas a exercer o mais alto cargo, que é proporcionar a vida independente a alguém, e que aqueles que são alvo de tudo isto possam finalmente expandir as suas competências com alegria e sem medo do futuro, assim conseguindo dar-nos a todos o imenso que têm para dar, se não tiverem de ficar triste e injustamente confinados entre quatro paredes.

Percebeste, Pai Natal? Reserva uns bons trenós para este presente. O da frente trará a Lei. Os outros, mais assistentes. Reservarei para ti as melhores das minhas azevias, que sempre faço “assistida” por todos os que antes de mim estenderam amorosamente a massa e fizeram o recheio. Já reservei os melhores limões do limoeiro. São de primeira ordem, mas não chegam, os limões, as laranjas, a farinha, o mel, a canela, o açúcar escuro, a aguardente caseira, o grão, o óleo de girassol. Assim, também eu tenho assistentes, sem os quais as douradas azevias não ficariam nem com um décimo da qualidade. Olham-me benevolamente em suas fotos, do cimo do armário no lado poente da cozinha. Felizmente, não dependemos de Secretarias, mas quem sabe se não farás este ano, também tu, para além do blá blá e das barbas e eteceteras estafados, a diferença? Que sejas assistido pelo que de melhor existe no mundo, para que a Terra se vá afeiçoando à sua nova Natureza de «luminoso e vasto prado». Como o antigo musgo verdadeiro de um presépio de criança.

Deixo-te, embora não saiba se tem chaminé, mas alguma forma haverá de encontrar os sapatinhos, a página da Associação CVI-Centro de Vida Independente: https://vidaindependente.org/

Caso não tenhas ouvido falar, aqui fica informação disponibilizada pela fonte, que neste caso se chama Jorge Falcato, que gentilmente me cedeu o que a seguir poderás ler. Eu fiquei a saber mais um bocadinho sobre uma parte deste mundo em que vivemos e que tantas vezes ignoramos: «A Associação CVI – Centro de vida Independente nasceu em 2015 do ativismo de um conjunto de pessoas com deficiência que defendem a filosofia de Vida Independente, que se mobilizaram para divulgar e implementar em Portugal esta mudança de paradigma nas políticas sociais de apoio às pessoas com deficiência. E das poucas associações de Portugal em que todos os órgãos sociais são constituídos unicamente por pessoas com deficiência, bem como 88% dos seus associados. (242 associados com deficiência) Balizada pelos princípios da Filosofia de Vida Independente, tem como objetivo geral não só o empoderamento das pessoas com deficiência através da realização de ações de sensibilização e formação que visam o conhecimento dos direitos que lhes são inerentes e a consciência da pertença a um grupo social vítima de uma discriminação sistémica, mas também uma intervenção mais alargada a toda a sociedade, de alerta para a necessidade de eliminar as barreiras à inclusão social deste sector da população. Esta intervenção é necessária e urgente para contrariar a situação de dependência de grande parte deste coletivo resultado da persistência de décadas de políticas assistencialistas e institucionalizadoras que mantiveram as pessoas com deficiência numa situação forçada de dependência das instituições e mesmo das suas famílias. Em 2015 numa iniciativa pioneira, em conjunto com a Câmara Municipal de Lisboa, a Associação foi responsável pelo primeiro projeto-piloto de Vida Independente a nível nacional em que foi possível testar os ganhos de autodeterminação, autonomia e melhoria da qualidade de vida das pessoas que o integraram. Neste momento a Associação gere 4 Centros de Apoio à Vida Independente (CAVI), que facultam assistência pessoal a 84 destinatários (Vila Real /Porto, Leiria, Lisboa e Faro). Estes centros são financiados por fundos europeus e nacionais no âmbito do Modelo de Apoio à Vida Independente (Decreto-Lei n.º 129/2017) Esta é a única atividade que tem garantia de financiamento em que contamos com 11 funcionários (6 têm uma deficiência) que constituem as 4 equipas técnicas, que asseguram uma gestão muito exigente dos 4 CAVI, que empregam cerca de 140 assistentes pessoais A restante atividade da associação, essencialmente centrada na formação e sensibilização e acompanhamento das políticas públicas na área da deficiência (a associação está representada na Rede Europeia de Vida Independente, Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, Conselho Consultivo do Mecanismo Nacional de Monitorização da Implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Redes Sociais Locais) é garantida exclusivamente em regime de voluntariado pela direção e as delegações de Vila Real, Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, Lisboa, Beja e Faro.»

Assim me despeço até ao Natal, não te esqueças, vê lá se queres que te mande um SMS… Ou então… arranja um assistente, que já não vais para novo..


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