Ainda as lengalengas… e a filosofia. “Ah, vous dirai-je maman” é a súplica de uma criança junto da mãe, queixando-se de que o pai pretende que ela seja razoável, isto é, que use a razão. Esta é, segundo a queixa, a causa do seu tormento. Chega a ser mesmo comovente, porque alia a uma música simples, mas não pobre (as belas variações de Mozart), um texto profundo e sério.

Muito curioso é que a criança se queixe do pai, e o faça junto da mãe. Aparentemente, nada há aqui de estranho, dada a maior proximidade da mãe junto das crianças pequenas, e os estudos psicológicos situam nos sete anos o momento em que a criança se liberta do universo materno e se aproxima do pai.

No final da canção, ela diz que o pai pretende que ela seja razoável como uma pessoa crescida, mas ela ainda acha que os bombons valem mais do que a razão.

Temos aqui em conflito os bombons e a razão, ou a emoção do afecto a que os bombons surgem associados e a racionalidade, logo, afecto e razão, o seio e o cérebro.

A “pessoa crescida” que começa a ser aos sete, o número de completamento do primeiro ciclo de vida, em termos psicológicos, é aquela criança que sai das quatro paredes do ambiente feminino e vai para o mundo. É o começo da escola com as aprendizagens mais racionais, como os números e as contas. É frequente as crianças aprenderem a ler com as mães ainda antes da escolaridade, mas raramente isso acontece com as contas.

Se quisermos transpor este pretenso antagonismo “bonbon/raison” para a filosofia, para a alta filosofia, o conflito transforma-se em complemento, e o sentimento e a razão passam a criar algo para além do dois, aquilo que transcende o conflito ou a dualidade. É o conceito de “razão poética” que António Telmo tão bem expressou, aqui condensada numa estranha, “nutricionalmente incorrecta” e melancólica canção, aparentemente… infantil.


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