Professor João Ferreira, um homem do norte português no Brasil, de revisita a Portugal

Pode hoje dizer-se que é o decano da Filosofia Portuguesa. Já não o víamos desde Janeiro de 2020. Antes da pandemia, tinha por hábito vir, pelo menos uma vez por ano, a Portugal, onde tem a sua família de origem, em Agunchos, concelho de Ribeira de Pena. Fala da sua terra e das memórias do que lá viveu, com profundo amor. Doutorado pela Universidade Antoniana de Roma, tendo defendido tese em 53 sobre o Papa filósofo medieval Pedro Hispano, obteve o título de Philosophiae Doctor em 59. Vive desde 1968 no Brasil, onde fundou família e trabalhou, segundo afirma orgulhosamente, durante cinquenta e muitos anos, pois após a reforma da sua carreira como professor no Centro de Estudos Portugueses da Universidade de Brasília, ainda lecionou muitos anos em Universidades particulares até há cerca de dez anos. Hoje, já a um ritmo diferente, continua os seus estudos e leituras. A pandemia interrompeu-lhe, em 2020, a anual viagem a Portugal pelo Advento, mas no recente Dezembro, quase em vésperas de completar 95 anos em 17 de Fevereiro de 2022, este jovem meteu-se sozinho ao caminho, melhor dizendo, ao voo, e veio passar o Natal com a família de cá. Tivemos a alegria, agora em Janeiro, de jantarmos juntos e matarmos saudades das nossas longas conversas anuais. Ninguém lhe dá a idade que tem, nem pela aparência, nem pelo espírito agudo de memória rápida e associações brilhantes, repleto de sentido de humor com que não se poupa a si mesmo. Traz-nos tristes e inquietantes notícias do Brasil, que já sabíamos, mas não com tanto pormenor, e recorda episódios da sua vida académica de longo percurso, em que conviveu e foi amigo de tantos vultos da cultura portuguesa e brasileira. Orgulha-se de ter sido visitado em sua casa por várias figuras ilustres da cultura.

Em Maio de 2017, quatro meses depois do seu nonagésimo aniversário, recebeu o título de cidadão honorário de Brasília, onde vive desde 68. Em 2006 recebia a Comenda Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

A obra, ampla e fecunda, nas áreas da filosofia e da literatura (no currículo, vários livros no âmbito da literatura e do pensamento, artigos científicos e colaboração em revistas especializadas), foi sendo produzida durante a sua actividade docente na Universidade de Brasília, onde foi colega e amigo de Agostinho da Silva, António Telmo, Eudoro de Sousa e outros. Mas este pensador, escritor, professor universitário, profundo conhecedor da língua, da literatura e da filosofia portuguesas, mas também da literatura brasileira e africana, e em 91 e 91 Director Geral do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais do Brasil, ilumina-se quando, recordando as condições em que se vivia na sua aldeia de infância, sem médico, sem farmácia, sem telefone, sem lojas, mas com escola, evoca o modo como a comunidade lidava com as carências, e quando surgia um surto de tosse convulsa infantil, na ausência de médico, reuniam as crianças afectadas, e no alto da serra faziam uma fogueira onde era queimado eucalipto e as crianças eram, uma a uma, transportadas por cima do fumo, para respirarem a substância balsâmica que se desprendia das folhas da planta. Na nossa imaginação parece um ritual mágico, mas era a sabedoria de uma cultura a lidar com aquilo de que dispunha, perante o que não havia. Talvez seja essa a verdadeira magia e talvez lhe venha daí a serenidade com que este intelectual tão humano vai abrindo espaço na vida, com olhar e práticas de solidariedade para com todos, embora especialmente atento aos mais carenciados que com seu caminho se cruzam e que no seu país de adopção não é preciso procurar para encontrar, situação social agravada a níveis assustadores com a pandemia. Ele, porém, como antes, discreta, mas solidamente presente. No alto pensamento com que vive o quotidiano. Até para o ano, João! Já estamos com saudades!

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=BvW6oU6KMxo


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