2022-01-26
Querido Leitor


Risoleta C Pinto Pedro




Li, já não sei em que recente livro das minhas leituras deste mês, que o hábito de tratar o leitor como um receptor, por um você ou um tu, e até de expressar a consciência de que ele existe e que está ali do outro lado das palavras, se perdeu. É verdade. No entanto, há já uns tempos que dou por mim, instintiva e não intencionalmente, ao contrário desta crónica, onde o faço expressamente, a interpelar os meus leitores. Nas crónicas, mas também em livro, se não estou enganada.

Não sei a que se deveu esta mudança em mim, ou sequer se se trata de uma mudança. Talvez, se for pesquisar lá mais para trás, encontre outras manifestações de reconhecimento do leitor como um interlocutor presente.

Posso especular e encontrar causas, umas mais conscientes do que outras.

Por um lado, o isolamento em que temos estado, poderá fazer apelo à procura de uma maior proximidade daquele ou daquela que se encontra do outro lado do texto, a imaginá-los, a visualizá-los, a sentir a sua presença, a sua respiração. E esta interpelação seria um «Olá! Está aí?».

Há uma outra razão que tem a ver com a despersonalização em que estamos mergulhados. Qualquer empresa com que necessitemos de contactar, seja ela fornecedora de algum bem, essencial ou não, encomendado on-line ou mesmo uma empresa pública incontornável, para além de não ter um rosto, mas apenas uma voz e por vezes se limitar a uma gravação que nos obriga a contínuas marcações de dígitos no teclado, em diálogo insano com uma máquina desconhecida, é como um muro intransponível perante o qual nos sentimos completamente esmagados, quando não ignorados. Esmagados já seria alguma coisa… Não há ninguém do outro lado, é a sensação que temos. Quando conseguimos que nos atendam… o que já é um luxo.

Falar com o leitor é uma espécie de antídoto de sentido inverso. É dizer: «caro leitor, eu sei que está aí, que me lê, que pensa, que concorda ou não, que sorri ou protesta, que interrompe, que retoma, que comenta, que partilha, que se impacienta, e eu estou aqui a escrever para mim através de si, como se eu estivesse desse lado».

Mas existe uma outra causa, que tem a ver com o facto de o texto não estar concluído sem a leitura do outro. Porque o leitor é um co-criador daquilo que lê, e que completa no éter com as suas ideias, as suas emoções e os seus sentimentos. “Falar” com ele, é reconhecê-lo como tal, com o seu inalienável estatuto.

Por isso, querido leitor, repare que nem consigo usar o plural, que o transformaria, novamente, num agrupamento sem rosto. Neste “leitor” inscrevo, não todos, mas cada um e cada uma que me lê. Entrego-lhe, pois, este rascunho para que o complete segundo a sua sensibilidade, à sua maneira. Agora é seu. Obrigada!


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