2021-11-24
O seu a seu dono


Risoleta C Pinto Pedro




«O Messias virá, diz o Talmude, quando, de cada vez que uma referência é dada, for recordado o nome daquele a quem se deve a referência.»

“Prefácio” in: A Cabala e a Tradição Judaica,

René de Tryon-Montalembert e Kurt Hruby

Ed. 70, Colecção Esfinge, Lisboa, 1979.



Apesar de ter o cuidado de não o fazer com outros, nunca me preocupo que me copiem, me imitem ou citem sem referir a fonte. Por várias razões. Primeiro, porque estou persuadida de que aquilo que fazemos não nos pertence totalmente, somos, de alguma forma, um canal. Diz Pessoa, talvez não exactamente neste sentido, mas agora dá-me jeito usá-lo no sentido que me interessa: «Tudo o que sonho ou passo,/ o que me falha ou finda,/ é como que um terraço/ sobre outra coisa ainda./ Essa coisa é que é linda.»

O que é lindo é a ideia original e inacessível que pretendo recriar com as palavras, sem que essa impossibilidade, contudo, me faça desistir. Porque existe uma coisa linda sobre a qual as palavras se debruçam e que vale a pena perseguir. Isso é a arte. Portanto, o que o imitador imita é apenas a pálida sombra que eu captei. É pobre. É pouco exigente, contenta-se com pouco. Valia mais buscar, por si, a tal coisa linda que existe e por mais inacessível que seja, quer ser colhida. Talvez o conseguisse fazer muito melhor que eu.



Portanto, aquele que imita é um pobre sem abrigo persuadido de que não consegue fazer melhor por si. Logo, um ser digno de lamento, não de acusação.

Segundo, se o que criei é tão apetecível, significa que estou no bom caminho.

Terceiro, as acções, boas ou más, ficam com quem as pratica.

Quarto, a coisa não se esgota. Onde fui buscar aquilo há mais, muito mais, não preciso de ficar agarrada ao que fiz, o método é seguir em frente e libertar o que ficou. Libertar, também, os que ficaram para trás agarrados ao que fizemos e que deixou de ser a nossa prioridade. Não me refiro aos leitores, que esses são, também, à sua maneira, criadores. Refiro-me aos plagiadores.

Há mais razões para não recear o plágio, para nem sequer (esta crónica é a excepção) pensar nisso, tantas quantas aquelas que, ao contrário, me levam a ter cada vez mais cuidado em citar as fontes. E esta que está na epígrafe, a passagem do Talmude, com que iniciei esta crónica, é quase o contrário do que acabo de dizer:

«O Messias virá, diz o Talmude, quando, de cada vez que uma referência é dada, for recordado o nome daquele a quem se deve a referência.»

Deixo-o, caro leitor, com o mistério que eu própria não consigo decifrar, por ser demasiado ignorante para o fazer. Mas é possível gostar de algo que não se compreende, acabo de descobrir. A vinda do Messias será honrar o outro reconhecendo-o como criador? Tal como nós? Tal como o artista primordial?

In: Unicepe, 24 de Novembro de 2021


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