2021-09-15
O genial erro


Risoleta C Pinto Pedro




Ficamos frequentemente chocados com o estado de imperfeição em que se encontra ainda esta nossa espécie. Mas se tivermos em conta o pouco tempo que decorreu desde o nosso aparecimento, temos tendência a alguma tolerância. Afinal, não se passou muito tempo… Somos sapiens sapiens há apenas quarenta e oito mil anos, e o facto de sermos sapiens sapiens não faz de nós humanos, aguardamos a próxima evolução até ao sapiens sapiens sapiens. Não há dois sem três. Por enquanto, ainda que sendo muito em pouco tempo, é muito pouco em termos da evolução que se deseja, sobretudo se compararmos com os catorze mil milhões de anos do universo. É certo que há trezentos anos já éramos sapiens, mas isso não dava para muita coisa, nomeadamente para destruir um planeta. Essa era a parte boa. A Terra anda nos mais de quatro mil milhões, o sol nos cinco mil. Há um enorme trabalho de criação antes de nos termos tornado no que hoje somos. Quanto à forma como tudo surgiu, se compararmos as várias tradições e mitos cosmogónicos, não diferem muito. Um impulso, uma explosão e a fragmentação, uma pulverização, o vaso quebrado. Um erro? Há quem diga que sim. Os eléctrons que existem hoje são os que existiam nesse momento, guardam portanto essa memória, estas micro-partículas que giram em torno do núcleo. Disso somos feitos, bem como tudo o que existe, e eles serão a mente fragmentada desse impulso. Somos nós. E sendo que os eléctrons possuem uma memória que guarda tudo para sempre, sendo essencialmente informação que partilham instantaneamente com todo o universo local e não local, como afirmam os cientistas, isto deveria fazer-nos pensar. Temos no ADN o erro. E a inevitabilidade dele. Contudo, existem dois mitos, que se os olharmos bem, podem indicar-nos o caminho. Esses mitos têm nome feminino, Eva e Pandora. Se fizerem parte dessa escrita no ADN, talvez tenhamos a possibilidade de desobedecer, de pensar, de fugir à cegueira que nos impede de amar, pelo medo atávico de sobrevivência que ainda prevalece. Habitamos ainda predominantemente a primeira parte do cérebro, a parte reptiliana, de sobrevivência a todo o custo, o “mata ou foge”. Alguns acrescentam as emoções, o cérebro límbico, mas muito poucos ainda conseguem articular essa parte com o córtex pré-frontal. A racionalidade temperada por emoções, e sobretudo por sentimentos, cria uma humanidade filosófica, capaz de reflectir e de rir, sobretudo rir de si mesma e de relativizar, de compreender e de perdoar. É isto a evolução. Curiosa e paradoxalmente, é com aquela parte da criação que ainda não acede ao cérebro racional, os animais, que vamos aprendendo o amor. Conviver com um animal acelera o processo de purificação, pela síntese dos três cérebros, pela união dos dois hemisférios. As árvores também fazem um bom trabalho com alguns de nós.

Alguns cientistas sabem isso, pela própria experiência. Miguel Nicolelis, médico e cientista brasileiro, um dos vinte maiores cientistas mundiais na sua especialidade, a neurociência, investigador na área da fisiologia de órgãos e sistemas, tem procurado integrar o cérebro humano com máquinas (neuro-próteses e interfaces cérebro máquina), estando envolvido no célebre episódio de 2014 quando Nicolelis e a sua equipa de engenheiros e neurocientistas realizaram uma demonstração pública que consistiu num exoesqueleto controlado pelo cérebro de um paciente paraplégico, dando o pontapé de saída na bola da cerimónia de abertura da Taça do Mundo. Mas o que determinou a escolha da sua orientação foi quando, ainda estagiário, numa noite em que circulava pelos corredores vazios do hospital escola, ter começado a ouvir uma música que o conduziu até ao anfiteatro. Era Wagner, que um professor preparando a aula do dia seguinte estava a introduzir no PowerPoint. Ficou ali sentado no anfiteatro a assistir ao ensaio da aula sobre a origem do Universo, na cadeira de Biologia. Tinha encontrado o seu primeiro mestre e a sua vocação, através da maravilhosa emoção causada pela música. É isso que nos torna humanos e tão especiais, quando não nos destrói.

Miguel Nicolelis afirma “Eu não entrei na ciência para competir com ninguém, eu entrei na ciência para ser criança e para poder ser pago por ser criança». Este cientista, um dos mais prestigiados neuro-cientistas, professor e investigador numa Universidade americana, inventor do acima citado método revolucionário de acompanhamento do movimento das sinapses, numa interface máquina humano, ele que encontrou o seu orientador através da emoção, seguindo a música, advoga, tal como o seu mentor, que um cientista não pode deixar de ter uma sólida formação humanista, estudar história e filosofia. Para não se transformar numa peça de tecnologia. Dá-nos esperança, e leva-nos a pensar que, se formos ainda a tempo de evitar a catástrofe, talvez tenha valido a pena o erro.

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