2021-08-04



Risoleta C Pinto Pedro


“No name land”



O Espírito Santo, também apelidado de “Consolador”, que ninguém sabe se existe enquanto pessoa da trindade, é um dos dogmas da Igreja e estabelecido num dos primeiros concílios. Quando começamos a debruçar-nos sobre as intermináveis discussões teológicas, segundo Jesús Mosterin, repletas de apaixonado rancor, que acabavam sempre em condenações, perseguições e excomunhões, espantamo-nos como é possível, ao longo de séculos, o catolicismo, o cristianismo e as religiões em geral, terem mantido, algumas mais do que outras, e continuarem a manter o seu jugo sobre gerações e gerações de humanos. Creio que o problema se deve à educação. Com uma educação formando seres para a independência de pensamento, seres buscadores, pesquisadores, estudiosos, não crentes no que lêem ou no que lhes dizem, mas no que, após o estudo, o seu mais profundo ser “vê”, muito difícil seria a crença em dogmas artificiais criados por decretos. Mas com uma educação cada vez mais formatada para servir o já digerido, e isto independentemente das ideologias, vamo-nos afastando do pensamento crítico, do espírito de procura, da dúvida metódica, da curiosidade sem fim. A história política, religiosa e económica está cheia de contradições tão gritantes que só um cego da alma não vê. A venda das indulgências, a condenação do outro por ter ideias diferentes ou cor diferente, gostos e comportamentos diferentes, as várias tentativas de genocídio de um lado e de outro, o inconcebível tráfico de seres humanos, a opressão e abuso dos pobres, das mulheres, dos velhos, dos doentes, dos loucos, dos frágeis e das crianças, dos OUTROS, afinal, grita aos nossos ouvidos que o Espírito Santo, a existir, não está onde decidiram pô-lo. Mas para encontrá-lo é preciso um inocente, como uma criança, ou um sonhador, como um artista, como um criador. Então, quando estamos perante o livro de um grande escritor, e um grande escritor ultrapassa pela esquerda todos os livros de auto-ajuda do mundo, como é o caso de John Steinbeck (felizmente entre muitos outros) e lemos que “tudo o que acontece está certo, quer seja bom ou mau“ e ficamos a pensar, a medir, a concordar e a discordar, a argumentar, e sentimos as nossas faces rosadas do entusiasmo da discussão com Steinbeck, e umas páginas mais à frente nos descreve “os livros […] ordenados segundo o tamanho e a cor “, e achamos isto tão absurdo, tão novo rico, e depois nos lembramos que nós mesmos já tivemos de o fazer, não por cores, mas por tamanhos, obrigados pela formatação das prateleiras, uma gargalhada filosófica cresce em nós ao apercebermo-nos como estamos escravos das estantes e de tudo aquilo de que é composta a realidade. Se por acaso esse momento de leitura se der junto de uma árvore, de um canteiro, ou mesmo só de um vaso onde cresce uma planta, ou ainda perto de uma criança na sua apaixonante actividade de crescer, ou se, no mínimo, tivermos ao alcance do nosso olhar o azul do céu, ou baixando os olhos, os poros por onde a nossa pele respira nas mãos que seguram o livro que nos levou nesta viagem de perplexidade e liberdade sem deuses coléricos decretanto leis alienadas, nesse momento temos uma pequena fresta de oportunidade para encontrar o Espírito Santo, aquele também designado por Consolador, esse que corre nas letras de John Steinbeck e de outros escritores, nos pincéis de muitos artistas, na seiva com que crescem as plantas, no riso desafiante com que se impõem as crianças. Nesse momento deixamos de ser crentes, descremos de todas as religiões, passamos a “saber” onde está o Espirito, a Vida, aquela a que alguns chamam diversos e desencontrados nomes.

É que somos, ainda segundo Steinbeck, «todos, ou quase todos, os pupilos daquela ciência do século XIX que nega a existência de tudo quanto não se sabe medir ou explicar. O que não explicamos nem por isso deixa de existir, mas certamente não recebe a nossa bênção; não aprendemos o que não explicamos, e assim o mundo, na sua maior parte, ficou abandonado às crianças, aos anormais, aos imbecis e aos místicos, todos eles muito mais interessados pela existência das coisas que pela razão de ser dessas mesmas coisas. Se tantas coisas velhas e adoráveis foram relegadas para o sótão do mundo é porque não queremos que elas continuem perto de nós e, contudo, não ousamos deitá-las fora. »

Poderemos então situar-nos nessa “no name land”, que é também o nome de uma puríssima música de alguém que não conheço, Vlad Leonidov, e assim nomeio esse lugar onde habitam aqueles que não negam a existência do que não sabem medir nem explicar, mas que, por outro lado, não passam a acreditar em dogmas só porque foram criados há muito tempo por pessoas que se consideravam e eram consideradas importantes e que muita gente segue ainda sem questionar. Preferimos a interrogação filosófica que é feita de olhos bem abertos, sempre disponíveis para ver, saltando por cima da falsa segurança da crença.

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