Devido às minhas habituais circunstâncias, tenho visto, regularmente, desenhos animados para bebés, baseados em lengalengas infantis, em português, francês e inglês. Tenho um pequenino companheiro de visionamento, a quem, aliás, se destinam estas sessões, e vou reparando nas cenas que mais o motivam. Uma delas tem a ver com o momento em que os amigos mocho e urso correm um para o outro, dão um abraço e dançam abraçados, olhados pela benevolente estrela, antes de se despedirem, à noite.
Isto faz-me pensar, como me faz pensar o que está a acontecer a estas crianças de um, dois, três anos e por aí fora que estão na sua fase da descoberta do mundo. Que mundo é este a descobrir?
No outro dia assisti a um vídeo desses que nos são enviados pela Internet, em que uma senhora especialista em qualquer coisa relacionada com o que se está a passar, dizia com ar entre ameaçador e furioso: “ O perigo é o outro!”
Já no princípio do século ouvíramos dizer que o inferno são os outros. Na verdade, a expressão encontra-se na peça de Sartre, Huis Clos, passa-se no inferno, as personagens estão ali presas e agem como carrascos das outras. Tem sido interpretada de forma equivocada, mas a ideia tem mais a ver com a possibilidade de, se quisermos, se conseguirmos, vermos o outro como espelho da nossa própria identidade. Nesse aspecto, se transpusermos a peça para o céu, podemos igualmente afirmar que os outros são o céu. Que também está em nós. É tudo uma questão de escolha, ou de ponto de vista.
Mas isto dito da forma como eu ouvi àquela senhora, é profundamente inquietante, porque estamos a criar uma geração que vai andar pelo mundo a esconder-se, a fugir da humanidade, a esquecer-se ou a ter medo de respirar e em permanente pânico de perigos invisíveis vindos do outro.
Não estou com isto a pôr em causa a realidade da pandemia, muito menos que haja medidas de protecção, mas acima de tudo o modo como estamos a fazê-lo, Mais do que o “quê”, é o “como”. A pandemia está a ser, sem o sabermos, uma ferramenta inconsciente para accionarmos o nosso medo do outro e assim nos salvarmos daquilo que do outro existe em nós. É uma atitude que começa na neurose e pode ir até à paranóia, muito mais perigosa do que o vírus. A beleza da vida não é apenas não estar morto. É, acima de tudo, estar vivo com… vida.
Começo a imaginar duas situações: as nossas crianças pequeninas olhando para estes desenhos animados profundamente anacrónicos (porque o são!) e a interrogarem-nos: “Em que planeta se passa isto? Quero ir para lá!”.
Outra possibilidade é começarem a aparecer animações em que os ursinhos e os mochos andam de máscara, não se tocam e medem as distâncias de segurança, como idiotas. Parece ridículo? É a nossa imagem.
Recordo-me de, em criança, ouvir uma peça de teatro radiofónico em que leprosos andavam com sinos para as pessoas saberem que se estavam a aproximar de alguém que constituía perigo para a saúde.
Hoje, os sinos estão nos smartphones. Não há grande diferença… é o suficiente para qualquer um de nós poder ser olhado com desconfiança. “Qual destas pessoas aqui à volta poderá estar infectada? O aparelho está a dar sinal. Hum… deve ser aquela! Ou… todas! Meu Deus! Estou rodeado de pessoas infectadas! Por favor, um escafandro, já!”
O inferno? O inferno somos nós. Escondidos atrás das suaves chamas do estupidamente correcto.
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