2021-02-17



Risoleta C Pinto Pedro


BEBER VINHO E DORMIR A SESTA         



Há quem acredite que Franco salvou judeus aos milhares.

Na verdade, é aos seus cônsules que é devido o corajoso salvífico gesto. Uma autêntica aliança, como foi o caso da colaboração entre o primeiro secretário da embaixada em Paris, Eduardo Propper de Callejón e o nosso inesquecível Aristides de Sousa Mendes, na entrega de trinta mil vistos a refugiados judeus, a partir de 1940, o que lhes permitiu atravessar Espanha para chegarem a Portugal. Também Ángel Sanz-Briz em Budapeste, que pôs quinhentas crianças judias sob a sua protecção, o cônsul espanhol em Bucareste e o seu homólogo em Atenas, assim como o de Casablanca e muitos outros. Eles sim, cônsules e embaixadores, arriscaram tudo colocando os sefarditas sob a protecção de Espanha, assim beneficiando, para o futuro, a fama de Franco, quando afinal o mérito foi todo deles.

Mas o assunto que me interessou neste tema da atribuição a Franco de gestos que não teve, e no caso que se segue, que terá tido sem que a maioria o saiba, é a sesta.

Todos os turistas se vêem confrontados, em Espanha, com horários absurdos que só não são incompreensíveis, porque aparecem justificados pela sesta. Quem já viveu ou passou pelo Alentejo no Verão, pode compreender um pouco, porque há horas do dia em que o sol a pique e o calor não permitem actividade no exterior. Mas isso é no Verão. O ano possui mais três estações, e mesmo no Verão não me parece que toda a Espanha durma a sesta a ponto de pôr, segundo o autor Pierre Assouline, os espanhóis a almoçar quando os europeus regressam ao trabalho e a jantar quando os outros vão para a cama. Sempre que vou a Espanha sinto a perplexidade de imaginar um país inteiro a dormir a sesta a meio do dia durante várias horas, como sob o poder de um estranho encantamento.

Contudo, o atavismo está de tal forma instalado, que se tornou intocável a decisão tomada por Franco de alinhar o país pelo fuso horário da Alemanha nazi e da Itália fascista e não pelo fuso horário governado pelo percurso do sol. O incomparável imperador.

Isto tornou-se a tal ponto enraizado, que ninguém ousa mudar este hábito, e os que tentaram não tiveram muita sorte.

No Salazarismo também se promoveu o consumo do vinho afirmando que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses. O que levava a concluir que quanto mais se bebesse, mais portugueses comeriam. Não acredito que quem bebia o fizesse por esta razão, mas não se falava dos custos dos excessos para a saúde e para a falta de paz nas famílias.

Assim como Salazar não era propriamente um filantropo, também Franco não foi certamente um filo-semita.

Segundo o autor onde encontrei esta informação, «em Dezembro de 1939, na sua mensagem de fim de ano radiodifundida na véspera do ano novo, louvava "a lucidez dos Reis Católicos" que tinham libertado o país das raças cúpidas [...] e outros clichés da fraseologia anti-semita».

Enfim… onde íamos nós? Ah!, no vinho, na sesta… não há melhor forma de dominar um povo do que anestesiá-lo e pô-lo a dormir.

Por isso, mais do que nunca, mesmo na pandemia, há que estar bem acordado (para isso convém dormir bem… de noite!), bem lúcido (o vinho, na dose certa, não é impeditivo) e não nos esquecermos de ouvir, muitas vezes, o Acordai, de Fernando Lopes Graça/ José Gomes Ferreira. Cá por coisas.



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