Renascido que é já o Menino e completado o processo de gestação do ano, com outro aí a crescer, volto a um assunto que poderá ser considerado ridículo, tal como as cartas de amor. Exaltar o repetido nascimento ou desejar um bom ano novo são sinais, talvez frágeis, da nossa humanidade, passagem de testemunho de todos os que nos antecederam e talvez um acto de... resistência. Enternecermo-nos com um Menino antigo e sempre jovem deitado sobre palhas e com uma data de nascimento errada, ou lembrarmo-nos de como gostaríamos que todos tivessem um excelente ano, são comportamentos com tendência a não se encaixarem na moda, a serem considerados antiquados, pueris, distantes de uma visão racional do presente e do futuro. Contudo, ao contrário do que possa parecer, não são gestos superficiais, são formas de transmitir para a posteridade algo do melhor que recebemos do passado. No meu caso, saída de uma infância semi-pagã em que o próprio Menino me aparecia descontextualizado por ignorar quase tudo sobre ele, por ausência de catequese ou prática religiosa familiar, o Menino era, para mim, a parte do símbolo que já adivinhava ou sentia como importante na minha vida. O Menino era um menino, os Magos eram reis e os outros eram os meus amigos de barro. Contudo, sólidos como deuses. Não havia nenhuma diferença entre as personagens do presépio quanto ao grau da respectiva divindade, à excepção do Menino, que tinha, para mim, um valor especial sem que partilhasse o dogma da divindade, por causa ou apesar da proximidade com que o sentia.
Hoje, sinto à minha volta, socialmente, uma espécie de pudor do Menino Jesus, uma vergonha do sagrado, uma quase clandestinidade do mito, para já não falar do descrédito do histórico. Uma redução do Natal ao profano, ao social, ao folclórico. Não é pouco, mas para mim, nesta matéria como em outras, o muito bom é pouco e isto nem sequer é muito bom, é mau, mesmo muito mau. Quero mais, quero melhor, quero muito melhor. Quero viver, e por isso a sonho, numa comunidade onde o Menino não seja incompatível com a ciência, com o racional e com o humano. Onde não seja uma vergonha falar do Menino Jesus, onde Jesus, Einstein e Marx coexistam pacificamente em legitimidade benquista. Que nenhum seja banido, apagado, ignorado, silenciado ou passível de nos comprometer perante outros pensantes pseudo-independentes. Ainda estamos rodeados de facções, Herodes, seitas que vão do mais místico ao mais racional, e polícias do pensamento. Inquieta-me que futuramente até a criação, a arte, estejam sob o binóculo deste pensamento neutro. Também sei que o mundo, tal como o mantemos, não é perfeito. Foi só um desabafo. Uma espécie de pedido de desculpa ao Menino Jesus para o caso de alguma vez ter cedido, silenciado, omitido. Continuarei a minha alegre e leve militância do Menino Jesus, o desconhecido que me apareceu nas palhas do presépio e as transformou, para sempre, em outro vivo de altíssimos quilates. Acima de qualquer parada, inalcançável por qualquer comprador de ouro, mas guardado numa arca que me percorre o corpo e que me rejuvenesce em cada Natal. Sem pudor, com muito amor.
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