2020-09-09



Risoleta C Pinto Pedro


Benfeitores da humanidade



Tenho conversado, recentemente com pessoas minhas amigas, professores ainda no activo, que me têm relatado as suas vivências profissionais nas novas circunstâncias desencadeadas pela Covid 19. Em alguns casos, uma fluida adaptação ao reforço da tecnologia que se impôs, noutros a confissão de algumas dificuldade e em outros ainda, um desgosto profundo cujas causas remetem para problemas vários. Houve quem tivesse tido de adquirir material electrónico às suas custas para poder acompanhar os novos meios de comunicação com os alunos, houve quem tivesse sentido muito a falta da transmissão pessoal, houve quem já dominasse anteriormente muito bem a tecnologia, houve quem tivesse feito um esforço e aprendido, e outros para quem, apesar do esforço, o processo continuasse muito penoso. Alguns apostaram na comunicação via e-mail, outros em salas virtuais com imagem, e no fundo, com mais ou menos dificuldade, todos deram o melhor que podiam. Alguns tiveram o apoio dos pares e outros foram acusados de não estarem na crista da onda. E é aqui que me detenho. Pelos vários perigos subjacentes. Um deles é a equívoca convicção de que é possível educar à distância, a confusão entre os meios e os fins e a não distinção entre instrução e educação. Não estou a afirmar que teria sido possível fazer muito melhor no inesperado do que aconteceu, cada um fez o que pôde, mas é preciso não embandeirar em arco numa espécie de novo-riquismo, achando que a tecnologia é tudo e que distribuindo um computador a cada aluno e facultando-lhe o acesso à Internet se resolvem os problemas éticos e educativos do ensino. Isto é, a longo prazo estaremos em muitos maus lençóis, se isso acontecer. Depois há outra coisa: nestes momentos de crise todos se revelam, e atacar um colega que sempre se revelou um excelente professor, dedicado, competente, criativo e eficiente, só porque não se adapta, de repente, a um suplemento tecnológico inesperado, revela muito mau carácter, péssima formação moral e incompetência para se ser professor, por muito que se domine a técnica.

Sinto-me à vontade para falar disto, porque cedo me adaptei às novas tecnologias e não só não me tem sido difícil cada nova etapa, como me é agradável. Mas também desde sempre tenho a convicção de que as pessoas, algumas das quais conheço muito bem, que ou têm dificuldade em entrar no novo mundo da técnica, ou se recusam a fazê-lo, são uma espécie de guardiões de um templo antigo em que o ser humano estava no centro do universo, são algo como guardadores de genes, património precioso de quando tudo se fazia sem máquinas. Vejo-os como aqueles depósitos de sementes severamente guardados, para memória futura, ou para … uso futuro, quem sabe? Olho-os como benfeitores da humanidade, espécie em extinção, pessoas com quem se pode conversar sem estarem constantemente a consultar o e-mail ou uma rede social, pessoas que quando estão connosco estão mesmo connosco, professores que olham os alunos um a um e dedicam a cada um o tempo e a profundidade de olhar e atenção que já vão sendo raros.

Talvez um dia venhamos a necessitar dramaticamente deles.


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