2014-02-26



Risoleta C Pinto Pedro


CRISE, GREVES, CONSCIÊNCIA E MUDANÇA



Falava-se de crises, falava-se de greves. As nossas e as dos outros.

Lembrei-me da passagem do soneto de Camões, cito de cor:

“E afora este mudar-se cada dia/ outra mudança faz de mor espanto/ que não se muda já como soía.”

Escreveu isto no século XVI, mas poderia tê-lo escrito hoje. O princípio da incerteza. Não existe nada de mais atual. O valor do futuro: saber estar, mover-se, esperar, escolher, ficar e observar na permanente incerteza. O valor mais certo. Nada voltará a ser como era. Já passámos por muitas greves, já passámos por muitas crises, muitas lutas. Passados uns anos voltamos ao mesmo. O grande desafio é tornar esta crise, estas greves, não mais umas, mas uma nova forma de consciência. Para que daqui a uns anos não esteja tudo igual. Para obtermos resultados diferentes é necessário não apenas fazer coisas diferentes, mas sobretudo com uma consciência maior do que aquela que cremos que é a nossa dimensão. Que, na verdade, é muito maior do que pensamos. À escala da realeza. No mínimo. Embora não pareça.

A última coisa que pode acontecer é permitirmos que nos dividam para melhor reinarem.

Sempre me solidarizei com a maior parte das greves de uma forma ativa, mesmo que diretamente o motivo não me afetasse. Por uma questão de princípio, mas acima de tudo defenderia, como alguém disse, o direito do outro discordar de mim.

É preocupante quando grevistas e não grevistas se colocam de lados diferentes da barricada, quando se vigiam mutuamente. É isso que querem os governos, escravos dos poderes. É que o povo esteja dividido. Não nas ações, mas na alma. Onde a divisão é particularmente doentia.

As vidas das pessoas assumiram perfis tão complexos que é quase impossível compreender as motivações do outro.

O único antídoto para este problema é conhecê-lo, estar consciente dele. Não conheço, logo não invisto.

Os inimigos não são as pessoas. Os inimigos são os vícios de crenças, de pensamentos, de submissão, de omissão, de conformação.

A crise é de valores, mas também tem de ser tratada ao nível da matéria. É preciso saber o que valorizamos, compreender quanto evoluímos, em quanto contribuímos para a criação do mundo que sonhamos. É preciso não ficar infantilmente à espera que o meu vizinho tome a atitude que eu gostaria que ele tomasse. É preciso estar preparado para dar um passo à frente em absoluta solidão. Qualquer outro passo que não seja assim só conduz ao abismo da ilusão, provisória como todas as ilusões.

Mudança sim, estamos a ser profundamente desafiados para isso, mas desta vez terá de ser diferente, mais adulta, mais responsável, mais criativa, mais consciente. Não podemos ficar permanentemente zangados. É sinal de impotência e faz mal à saúde.




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