Risoleta C Pinto Pedro
A "espumalha"
Foi no sapateiro. É no sapateiro que eu fico a saber das coisas da vida. Também na padaria e na mercearia, ou no pequeno café.
Eu esperava por uns sapatos onde mandara pôr umas capas e ouvia os desabafos psicanalisados de dois senhores que, não sendo clientes, ali costumam parar em mini assembleia da pequena república que é esta freguesia, quem sabe em vias de extinção. Falavam eles a propósito das últimas notícias, que já não recordo quais eram, mas nesta navegação à vista com que somos desgovernados, para o efeito tanto faz. Não sei de quem falavam, mas posso imaginar. Chamavam-lhes “espumalha” e vi, divertida, no neologismo, a estupenda criatividade do povo, das crianças e dos poetas (a minha filha, na sua fase de génio, criava palavras como “suável”, um misto de suave e agradável).
“Escumalha”, que era o termo que ele referia, tem origem no francês (ainda hoje, espuma se diz “écume”) e significa aquilo que vem à tona; é já uma alteração do latim “spuma”, que significa espuma ou baba.
Escumalha, segundo o Houaiss, é a escória do metal que passou por processo de fusão, no sentido figurado “a escória social, a ralé”. O senhor que regressou ao latim assim transformando a escumalha em “espumalha” nem imagina o quanto está certo, porque, no fundo, por muito sólida que pareça, a escumalha é só espuma.
A este propósito, é irresistível voltar ao LIVRO e citar aqui:
“O rei de Samária será desfeito como a espuma sobre a face da água.” Oseias 10:7-10
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