Risoleta C Pinto Pedro

Fui com o meu gato à veterinária. Causa: ataque de pulgas inelutável. Elas atacaram-no na zona mais vulnerável, onde ele não podia coçar-se, onde não chegava.

É, dos quatro, o gato mais manso, o mais doce do universo. Não é muito justo este ataque, mas sabemos que a justiça é cega e oculta.

De modo que lá lhe fizemos o tratamento recomendado, mais severo que o que já havíamos experimentado. Tivemos de recorrer a polícia de choque para aquelas pulgas rebeldes e fora de tempo, nem sequer está calor. Para além disso, a veterinária escovou-o com um pente com que dantes se penteavam as crianças com piolhos. No pente vimos aparecer pelos, pulgas, ovos e dejetos das pulgas.

Os dejetos das pulgas são bolinhas pretas. Sangue seco. O sangue do Luzinho.

Esta imagem criou na minha mente uma forte analogia com a humanidade, essa raça de pulgas do planeta, traiçoeira perante um ser manso e vulnerável, alimentando-se dele e atacando-o onde ele não pode defender-se, nos mais fracos, nos mais vulneráveis: animais, florestas, recursos, gente, nas suas costas, no seu ventre, por todo o lado. O planeta, que passou de dador a violado, às vezes coça-se, às vezes sacode-se, mas as pulgas persistem em chupar-lhe o sangue, e não contentes, ainda lançam sobre ela os dejetos do assalto. Não têm receio do que lhes aconteça, porque têm nas mãos a polícia de choque. São uma raça pouco inteligente, apenas vê a curto prazo. Em outros mundos, diz-se, legiões preparam-se para defender a Terra. Neste também. Mas não sei se sozinhos conseguiremos. Não há pente para pulgas que nos valha. Apenas um tremendo acréscimo individual e coletivo de consciência. Para ontem. Não se vende nas grandes superfícies. É preciso procurar intensa e arduamente. Dentro de nós. E persistir.



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