2012-07-25



Risoleta C Pinto Pedro


Uma crónica zangada

Estava cá a pensar umas coisas, quando apareceu na televisão o ministro da Educação. Escrevo ministro com minúscula e Educação com maiúscula, de propósito. Para estabelecer a distinção.

Desliguei a televisão para poder continuar a pensar. Sou do tempo em que ele (terá de ser com maiúscula?) não era ministro e visitou a minha escola. Nessa altura, pensei: poderá ser um bom cientista, poderá ser um bom divulgador científico, poderá ser um bom professor universitário. Mas não percebe o que se passa no ensino secundário.

Poderia ter aprendido, poderia ter evoluído. Retirem as vossas conclusões.

Vamos lá tentar chegar à opinião pública, essa que anda tão confundida, não sei se confusa.

Situemo-nos: estamos em 2012, no início do primeiro século do terceiro milénio.

A situação do planeta e arredores é a que todos conhecemos: não precisa de ser descrita, é indescritível.

Já experimentámos tudo: guerras, assassinatos em massa e outros mais cirúrgicos, passando pelos científicos, destruição de todos os tipos, envenenamento dos recursos naturais, abuso sobre os mais fracos, sejam eles quem forem, mulheres, deficientes, crianças ou animais, sectarismo, compartimentação, especialização cega, excessos, ignorância, fanatismo, competição... falta alguma coisa? Não estou a pôr-me de fora, tenho assistido, estou cá, sou cúmplice.

Parece que a coisa não resultou... resultou? Não resultou.

Enfim, resultou que chegámos até aqui. Podia ter sido pior, certo. Poderíamos não ter chegado até aqui. Com mais umas doses do mesmo tinha-se conseguido. Com, ainda que pequenas doses, do mesmo, prosseguiremos alegremente até á destruição final. Certo? Alguém duvida? Aquele senhor ali? Ah, claro, é dono de um empreendimento que, não podendo mais poluir aqui (Como? Deixou de se dar com algum influente do governo? Que descuido... ) vai agora para um país mais... tolerante, menos... radical, mais... aberto, enfim, you know what I mean...

Mais alguém duvida? Ah pois, aquele laboratório... uma empresa de sucesso em anti-depressivos e anti-cangerígenos, pois, claro... as pessoas não pensam na economia. Então e o que acontece aos trabalhadores se a empresa deixar de vender anti-cancerígenos e anti-depressivos? Ah bom, bem visto, passa a vendê-los a eles, aos trabalhadores, pelo menos os anti-depressivos. Pelo menos enquanto durar o subsídio d desemprego. Depois têm de ir trabalhar. Mas onde, se não há trabalho? Onde? Para Angola, claro! shiu! eu não tinha dito para onde é que se vai mudar a tal empresa... Alguém tem alguma coisa contra? E lá não há stress... se não levarem um tiro ou não pisarem uma coisa que rebente, a coisa até pode correr bastante bem... Não é um país dos PALOP? E então? Temos de nos dar bem com os nossos parceiros de língua... qual língua? Então... o Português! Qual Português? Mas afinal eles não falam Português? Eles sim, ainda, mas nós... cada vez menos... mais um acordozinho e lá vamos a caminho de um desesperanto qualquer... Mas então, mais alguém discorda disto? Não?

Se eu tenho alguma coisa contra Angola? Nada contra, tudo a favor de Angola e dos angolanos, repito, de Angola e dos angolanos, e de Portugal e dos Portugueses e de todos nós juntos e irmãos e desta língua bela que ainda soa quando lá como cá abrimos a boca e articulamos o ar. Mas não confundo Portugal e Angola com os senhores que aparecem nos noticiários. Nada de confusões.

Vamos lá então falar a sério.

Vivemos neste planeta de milagre, de uma profunda fertilidade e beleza e ele tem resistido a todos os maus tratos. Doente, queixoso, por vezes revoltado, mas resiste. Sabemos que a resistência tem limites. E sabemos, mesmo com os ouvidos cheios de areia por termos mergulhado a cabeça no mais fundo deserto, sabemos , se queremos que o futuro passe por aqui, que teremos de modificar tudo. Tudo, mesmo tudo. Não é só um bocadinho. É mesmo tudo. Isso implica, para começar deixarmos de competir e passarmos a colaborar.

É esta a ideia que está na base de uma Europa: a de colaboração dos países entre si e de Europa com as outras partes do Mundo. Foi o naufragar desta ideia que fez naufragar a Europa.

E nas escolas passa-se o mesmo. Em vez de disporem de tempo para criar condições de pleno potencial do ser, de expansão do ser inteligente e único que existe em cada aluno, de reconhecimento do que existe em si de mais sábio, curioso, criativo, feliz e solidário, os professores vão passar a dispor de todo o seu tempo para treinar, como se treinam cobaias, seres de cabeças quadradas capazes de pôr cruzes e responder a perguntas-tipo com respostas formatadas. Os cérebros vão ficar quadrados, mas as estatísticas do ministro da Educação (atenção à minúscula, à maiúscula) vão melhorar. Se ainda houver internet para divulgar. E Terra para espezinhar.



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