Risoleta C Pinto Pedro
Ontem como hoje: cobrar o imposto e fazer o empréstimo
Esperemos que não como amanhã.
Por isso é bom revisitar o passado para que, conhecendo-o, possamos impedi-lo de ser o nosso futuro.
Hoje descansarei. Eça fala por mim.
É chocante saber que as linhas que se seguem foram escritas no século XIX. E que, bastaria mudar os nomes, um ou outro pormenor e aqui estamos em Portugal, mais de 150 anos depois:
«- Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?
E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquela questão do empréstimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!...
O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta - cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar...
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o País ia alegremente e lindamente para a bancarrota.
- Num galopezinho muito seguro e muito a direito - disse o Cohen, sorrindo. - Ah, sobre isso ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da Fazenda!... A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma...
Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hem? E todos escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os cotovelos na mesa para lhe beber melhor as palavras.
- A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela - continuava o Cohen - que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o País...
[...]
Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos!... À bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da inscrição, em não lha pagando, agarra no cacete; e procedendo por princípio, ou procedendo apenas por vingança - o primeiro cuidado que tem é varrer a monarquia que lhe representa o calote, e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal, livre da velha dívida, da velha gente, dessa colecção grotesca de bestas...
A voz de Ega sibilava... Mas vendo assim tratados de grotescos, de bestas, os homens de ordem que fazem prosperar os bancos, Cohen pousou a mão no braço do seu amigo e chamou-o ao bom senso. Evidentemente, ele era o primeiro a dizê-lo, em toda essa gente que figurava desde 46 havia medíocres e patetas - mas também homens de grande valor!"
In: Os Maias, Eça de Queirós
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