2012-05-02



Risoleta C Pinto Pedro


Do "orgulhosamente sós" ao humilhantemente acompanhados



Do "orgulhosamente sós" ao humilhantemente acompanhados

Não pertenci a nenhuma juventude partidária, mas pertencia a um grupo de teatro onde todas as juventudes partidárias tinham representantes, num momento em que era importante estarmos juntos para além das divergências. Estava ainda muito presente o trauma do "orgulhosamente sós".

Agora vivemos uma época sem führer mas com uma senhora zangada que tem andado por aí a ralhar. Não digo que não tenha algumas razões. Os rapazes têm-se portando mal aí pelos governos, pelos bancos, pelas empresas, e até pelas instituições reguladoras, apesar da fachada de respeitabilidade mais ou menos mantida.

Portanto, a senhora tem-se mostrado zangada, porque tem má memória. Há quem lhe chame chanceler. Para mim, é uma velha senhora zangada. Enquanto tiver pajens. Porque quando eles desparecerem passa-lhe a zanga. No momento em que escrevo, não se sabe ainda o que vai acontecer ao pajem francês. Vocês já o saberão quando me lerem. De qualquer modo, nunca se sabe qual a reação de um pajem quando acede ao seu pequeno trono. Desce um, sobre outro, alguns são mais explícitos, outros mais discretos do apoio, mas não deixam de ser pajens. A casa da senhora também não anda bem, em termos de relações internas, e ela vem zangar-se cá para fora, como aquele pai de família que não consegue impor o respeito entre paredes e vem para a taberna com ares de macho. Para que se saiba lá em casa, para que conste, para que não haja dúvidas. É igual.

A senhora zangada passou nalgumas marcas da sua autoridade, mas os rapazes passaram todas as marcas da desautorização.

Agora estamos suspensos das eleições em França. Depois, oxalá me engane, o pajem chegará à conclusão que o contexto internacional não lhe permitirá manter os seus compromissos. Coisa que toda a gente já sabia. Temos lido os jornais. Que fazer?

Neste momento só me ocorre citar Cesário, em "Deslumbramentos":

Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala
, Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!...

Em si tudo me atrai como um tesouro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de ouro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!...

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demônio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pelo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, mi1ady, não se afoite,
Que hão de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!



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