2012-04-18



Risoleta C Pinto Pedro


O que é nacional é... bom



Tudo o que é nacional é bom. E o que é internacional também, porque tudo o que é internacional começa por ser nacional para os nativos. É um tema complexo, mas vou conseguir.

Havia dantes, quando eu era miúda, um chocolate que se chamava "Coma com pão", ideia que sempre achei absolutamente nojenta. Mas não desdenhava, nem o chocolate, nem o pão. Apenas achava (e acho) que o casamento dos dois era incompatível. De modo que o pão era com manteiga, com banha (férias no Alentejo em casa dos avós), com manteiga e açúcar (também), com banha e açúcar e outras combinações igualmente nojentas que eu achava deliciosas. Tal como o chocolate espanhol que o meu avô trazia de Badajoz. Não era nacional, era nojento, mas era bom. Sabia a afeto de avós. Mas o chocolate "Coma com pão" que, coitado, apareceu sem esse patrocínio ancestral, só se safou porque, apesar de tudo, era... chocolate. Do bom. Nada a ver com o espanhol. E o pão, por sua vez, transportava, e transporta ainda a memória da padaria do avô, do tio-avô, e de todas as padarias do Alentejo da minha infância. Assim, pão é pão, é memória e é bom. Mas não o espanhol, que ultrapassa os limites do tolerável. Também nunca foi patrocinado por avós, talvez daí a sua fragilidade perante as minhas papilas gustativas.

O que é nacional é bom, mas nem tudo o que é nacional é bom. A prová-lo o ar aborrecido e incomodado com que se levantou no outro dia uma funcionária nacional, de uma Junta de Freguesia aqui perto, para vir atender-me ao guichet. Que fui totalmente inoportuna, não houve dúvidas. Não que não estivesse no horário de atendimento, mas houve ali qualquer coisa que me transcendeu. Também não podemos querer saber tudo. Mas o porteiro, cá fora, foi de uma gentileza de avô: "Então, soube o que queria?". Não, não soube, mas saí de lá com a convicção de que o que é nacional, como aquele senhor com ar de avô, é bom.

O que é brasileiro também é bom. A vendedora da minha frutaria tem aquele sotaque à Agostinho da Silva, porque já cá está há muitos anos, é de uma gentileza difícil de suplantar. Há mais, por aí espalhados. O que é nacional é bom. Afinal, o que são os brasileiros senão portugueses do tempo dos nossos tetravós?

Encontrei no outro dia, ao fim destes anos todos (não vos digo quantos, não precisam de saber tudo) numa dessas lojas de produtos portugueses que agora estão na moda, o chocolate "Coma com Pão". É uma coisa nojenta, a ideia, mas trouxe o chocolate e comi-o... sem pão. No entanto, comê-lo-ia com ele se isso me trouxesse de volta a minha avó e o seu na altura delicioso e agora nojento pão com banha e açúcar, e o meu avô e o delicioso e intragável chocolate espanhol a saber a alfarroba de segunda, e o outro avô que silenciosamente me levava à fonte em cima do carrinho de mão, a encher os cântaros com a mais deliciosa água que alguma vez provei, verdadeiramente nacional, e a outra avó que fazia para mim passarinhos fritos (Como era possível? Eu era um pequeno ogre, na altura!) servidos com talheres de prata. Tive sorte por ser do tempo do chocolate "Coma com pão", da banha e dos avós.



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