2012-01-25



Risoleta C Pinto Pedro


AVENTAL PERFUME

Apesar da aparente escatologia do tema, falava-se de luz.

Já não sei muito bem a que propósito, mas agora que tanto se fala da maçonaria e suas fragilidades e seus artefactos como os tais adornados aventais (eu desconfio que isto é uma manobra de diversão dessa nova classe que são os políticos das finanças, para não repararmos no que se vai passando no país, mas adiante), eu lembrei-me dos aventais das minhas avós. Que não eram da maçonaria, mas eram pessoas livres e de muito bons costumes como se dizem os maçons, a primeira coisa que faziam de manhã ao levantarem-se, era colocarem o seu avental. Aquela que aos meus olhos aparecia mais luminosa usava um avental absolutamente neutro, sem brilho, sem cor; a outra, a mais triste, ou a que melhor espelhava a minha própria sombra, usava um avental de seda brilhante bordado a cores flamejantes, um avental como uma festa. Colocava o avental como eu me perfumo de manhã. Era um avental perfume. A minha avó tinha esse excelente costume de adornar a dor. Porque a dor pode tornar-se um vício e se é importante não a ignorar, também é importante não lhe dar um palco. Por isso, a minha inteligente avó criava todos os dias o seu cenário de festa: o avental. Desconfio que à noite, no silêncio dos lençóis, soltava a dor, porque não é possível nem saudável condená-la sempre à reclusão. Tinha o seu tempo de antena, embora discreto, para não se tornar um vício. Mas em horário não nobre. Nobre, sim, o avental, o bordado, a cor e a festa.

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