2012-01-11



Risoleta C Pinto Pedro


O fantasma no armário

Falava-se no outro dia, a propósito de terapias, terapeutas e feridas internas, que também aí "em casa de ferreiro espeto de pau".

E o meu espanto: então não é o médico o que melhor sabe tratar-se? Não é o psicólogo o que melhor se saber analisar?

E a resposta, após uns minutos, foi: devia sê-lo, mas como não vivemos num mundo (pelo menos aparentemente) perfeito, não é assim necessariamente. Mas é necessário, sim, sabê-lo. Porque o pior cego é aquele que não quer ver.

Ainda a propósito disto, um dos presentes reclamava o direito do terapeuta a ter o seu "fantasma no armário". É mais que um direito, é uma fatalidade. Mas o sentimento de "ter o direito" tem o mérito de o libertar da culpa, esse mortal veneno.

Se é verdade que ninguém cura ninguém, que é o próprio que tem em si o dom e os instrumentos da cura, sendo o terapeuta (não apenas, porque é importante que ele exista) mas aquele que apoia (se o outro o permitir), também é verdade que esse terapeuta, ou facilitador, o curador em geral (com o equívoco que a palavra encerra) não pode estar alienado do seu fantasma. Isto é, ele pode ter o seu fantasminha (ou fantasmão) e tem-no. Grave é se não o reconhecer. É indispensável que ele conheça e reconheça, em cada momento, o fantasma, em cada vez que ele ponha o pé fora do armário. Que conheça os seus contornos e obsessões.

Um curador que se apresente sem mácula, dizia-se, um pretenso guru, é um ser muito perigoso. Porque não reconhece a sombra. Ora a sombra é o indispensável material de trabalho. Não há outro. Para tal existe. É para a cura, que existe a ferida. É para a luz que existe a sombra. Assim, o curador pode sim, ter o seu fantasma de estimação ou de ódio. Até poderá ser-lhe muito útil. Para o também indispensável exercício da humildade. Se não for reconhecido, esse sombrio fantasma pode saltar de forma assustadora, fazer vacilar o curador e pôr em fuga o paciente. Mas sim, arejá-lo, deixá-lo respirar, não o asfixiar, porque os fantasmas ganham força quando os asfixiamos, é preciso pendurá-los no arame ao sol. O ar e a luz são verdadeiramente letais aos fantasmas. E assim, um dia o fantasma há-de morrer. Não esquecer, porém o agradecimento a esse companheiro de jornada, que por alguma razão o criámos e aprisionámos.



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