Risoleta C Pinto Pedro
PRÓTESE
Quem já estudou gramática,(e não a esqueceu) hoje designada como "Funcionamento da Língua", sabe que nesse contexto, "prótese" não tem nada a ver com dentes falsos ou membros artificiais, mas com processos de transformação de palavras.
Um exemplo interessante do processo de transfiguração de uma designada prótese (processo de inserção de segmentos que contribuem para a construção de novo segmento na composição inicial da palavra)... é a palavra espírito, que na boca de alguns até parece um espirro. O espírito esteve um bocado fora de moda e foi até demonizado durante essa época das trevas que foi o racionalismo, o tal que se apelidava de época das luzes, mas voltou à ribalta, digo moda, com essa coisa a que todos chamam Nova Era sem saber do que falam. Assim, também na Nova Era nem sempre tem sido bem tratado o Espírito, muitas vezes confundido com incenso de má qualidade e velas de chineses, e só agora começa a adquirir uma atitude e uma leveza que lhe vem de se ter, finalmente, reconciliado com a matéria, de ter deixado de ser uma coisa desencarnada, mas tendo aceitado fazer parte da equipa "espírito, mente, corpo".
A Igreja (as igrejas... ) não ajudaram muito, e os pombos, esses que alguns (autarcas, ou certos habitantes dessa coisa estranha a que hoje chamam cidades e os alérgicos) veem como seres indesejáveis, mas que eu adoro, uma espécie de personas non gratas, ou aves caídas em desgraça, dizia eu que os pombos também não têm ajudado ao bom nome do espírito, por não conseguirem convencer muitos como representantes do Espírito Santo, mas também as bebidas espirituosas com sabor a detergente e alguns falsos espiritualistas também não contribuíram para a simpatia dos mais céticos para com o espírito, que tem andado pelas ruas da amargura. Mas talvez ajude saber que antes de ser "espírito" foi "spiritu". Nessa altura, ainda sem prótese. Quando adquiriu a prótese, no Português europeu, o efeito foi reduzir a sibilante "s" ao som "x", porque a vogal "e" praticamente não é pronunciada. Já o mesmo não se pode dizer em relação ao Português do Brasil, que não se limita a pronunciar o "s" como sibilante, mas lhe acrescenta um "ê" como se usasse chapéu, como os alunos chamam ao acento circunflexo. E com isto, o "êsspiritu" adquiriu, para nós, continentais (e talvez ilhéus, isso já não sei..) uma exótica ressonância a Igreja Universal ou outra assim.
Apetece voltar às ruas de Roma, antes, muito antes dos acordos ortográficos todos e das incómodas desuniões económicas, e ouvir ao nosso lado um filósofo ou um patrício conversando com seu discípulo ou seu amigo, sem intenções religiosas, acerca do "spiritu". E reconciliarmo-nos com Deus. Através do verbo, esse que esteve sempre presente. Desde o princípio.
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