Risoleta C Pinto Pedro
DO PASSEIO À PASSADEIRA
Não me refiro àquelas onde passam os cães. Sim, porque as passadeiras são mais usadas pelos cães do que pelas pessoas. Também se compreende, alguns automobilistas escolhem mesmo as passadeiras para fazer pontaria aos peões. É sempre mais fácil passar despercebido desses franco-atiradores fora das passadeiras. Acaba por ser um acto de inteligência. Muito subtil, mas temos de acreditar nisso, para nossa saúde mental.
De qualquer modo, no outro dia, quando passei pelo Museu do Design, na Rua Augusta, e visitei uma das exposições sobre a obra (penso que posso falar assim, é um criador e trata-se da sua obra) de José António Tenente, uma das particularidades que anotei foi a de, paralelamente à amostragem das peças, em frente delas ter sido colocada uma passerelle. As peças como que observam a passerelle ou a recordação da sua passagem por ela, quando revestindo os corpos.
Experimentei pisar a passerelle e gostei tanto, que a percorri até ao fim. Foi nessa altura que imaginei as passadeiras das ruas transformadas em passerelles e os peões desfilariam por elas enquanto os outros os transeuntes, nos passeios, os aplaudiam. Penso que este truque seria muito mais eficaz que o das multas ou mesmo o perigo de atropelamento. As pessoas andam ávidas de amor, reconhecimento, notoriedade. Que tal deslocar esse fenómeno da televisão para as ruas, democratizando o acesso aos olhares? Claro que os mais tímidos poderiam sempre continuar a atravessar nas passadeiras com os cães, teríamos para todos os gostos. Para o governo e o seu Ministério da Economia e Saúde seria uma medida de grande poupança, talvez até evitasse a vinda do FMI: menos atropelamentos, menos internamentos e intervenções cirúrgicas, mais auto-estima, menos idas aos psiquiatras e menos anti-depressivos. Acho esta ideia tão genial que pela minha parte até já dispenso a passerelle, com a subida de auto-estima em mim. Por outro lado, conduziu-me esta ideia e esta passerelle até à recordação da outra magnífica exposição neste mesmo museu, sobre as ruas, uma diversificada amostragem tão concreta, interactiva como filosófica daquilo para que as ruas podem servir, desde circular, a estar, contestar, fazer, criar, desmanchar, destruir, ser feliz ou chorar. Recomendo a visita às duas exposições e ao olhar em paralelo.
Não deixa de estar também relacionada com ambas as exposições neste Museu do Design, uma outra, a que me levou lá: a instalação multimédia interactiva “Re-rite”, com o apoio da Gulbenkian, onde o espectador e visitante se sente integrado na Orquestra Filarmónica de Londres tocando a Sagração da Primavera, de Stravisnky. É possível sentarmo-nos numa das cadeiras da orquestra junto a um instrumento, e circulando pelas várias salas não percorremos o chão, mas somos elevados e envolvidos pelo som. Como numa passerelle, a aclamação que já antecipamos, no final, será para nós.
É isto o que de melhor encontro em certas exposições: o levarem-nos para fora do espaço por uma espécie de poço de Alice ou de máquina do tempo ou de acelerador de partículas onde as partículas da nossa mente se tornam co-criadoras e assim nasce outra exposição ou instalação do nosso museu interactivo. Privado.
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