2011-04-06



Risoleta C Pinto Pedro


AS CONTAS

Cenário: sala de espera de um consultório. Personagens: uma talvez mãe, uma talvez filha. Menina dos seus seis anos. Pede um lenço de papel à talvez mãe, e canetas. Abre o lenço em três folhas. Três páginas, sabê-lo-ei pouco depois. O lenço é para escrever. Escreve em cima do joelho sobre uma das páginas lenço. Depois, faz um pedido à provavelmente mãe, que esta recusa, com alguma impaciência, dizendo qualquer coisa parecida com: “Não! Agora descansa. Mesmo agora chegaste da escola! É demais!”

Eu não percebo, mas estou interessadíssima no que está a passar-se à minha frente. Olho-as indiscretamente, com vontade de entrar na cena. A certamente mãe, simpática, percebe-o claramente e esclarece-me de forma empática: “Quer que lhe passe contas. Nunca se farta. Faz todos os trabalhos das férias logo no primeiro dia.” Eu estou pasmada. Olho ambas com ternura, olho a certamente filha, com saudades da que fui, olho a certamente mãe com alguma pena, por não perceber a pérola que tem certamente por filha. Isto existe?! A menina de seis anos faz todos os trabalhos de férias no primeiro dia! E a mãe… queixa-se?! Apetece-me ser a menina, para desculpar a mãe. A mãe não é culpada. Apenas… isto é demasiado incompreensível para ela. Metade da minha ternura vai para a menina, por ter de lutar, incompreendidamente, por aquilo que a faz feliz.

Eu, ou aquela em mim que cresceu, também não compreendo como pode uma criança divertir-se com contas, mas deve ser apenas um problema de memória, da minha parte. Especulo que algo deve ter acontecido na vida da menina que a faz divertir-se com contas. Uma professora excepcional? Uma realidade tal perante a qual até as contas parecem divertidas? Uma percepção excepcional que a leva a encontrar na Matemática o elemento jogo que realmente também tem?

Ela não insiste. Conforma-se. Já está habituada. Passa a si própria as contas, auto-suficiente. A mãe não desiste da desistência. Continua a insistir em que ela devia descansar. Mas ela não quer descansar, não precisa, ignora totalmente o desconselho. Como os adultos que ainda conseguem divertir-se como as crianças fazendo aquilo de que gostam, ela não está cansada. O que cansa é o cansaço, não o trabalho que se ama, que nos diverte. O cansaço não tem a ver com o trabalho, tem a ver com a falta de divertimento, com o fazer-se o que não se ama. Eu segredo ao Universo um desejo: que ela continue a divertir-se, que não se esqueça como é divertido fazer contas e escrever em guardanapos.

Vou até lá fora e volto. Já não estão na sala. Devem ter sido chamadas para dentro.

Aproximo-me de uma mesinha baixa em que não tinha reparado e dentro de uma bonita taça de vidro vejo canetas de cores; ao lado, folhas brancas de papel. Afinal, não teria sido preciso o guardanapo. Nem eu, nem a menina, reparáramos. Porque o importante era divertir-se, o importante eram as contas.

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