Risoleta C Pinto Pedro
Jaime Salazar Sampaio: Teatro Completo, V
Não sei por onde anda este peregrino desde que partiu, mas continuam a chegar-me livros dele como quando cá estava. Eu brincava com ele por chamar Teatro Completo aos volumes que ia publicando na colecção "Biblioteca de Autores Portugueses" da Imprensa Nacional, quando seria muito mais rigoroso chamar-lhe Teatro Incompleto, sempre em processo de completamento por um autor que escreveu praticamente até ao último minuto. Ainda que a mão lhe tenha falhado no último momento, tenho a certeza que dentro dele um novo diálogo se escreveu.
Regularmente me iam chegando os volumes, um após o outro, pelo correio. Chegou-me agora o V volume, com a mesma designação:
JAIME SALAZAR SAMPAIO. Teatro Completo.
Desta vez, foi a sua doce Raquel que mo enviou, mas não me admiraria que algures ele esteja a rir de mim, como quem diz: "Então e agora, ainda lhe chamas Teatro Incompleto?"
Não sei para que canto do Universo enviar a resposta, mas não tenho a certeza que não apareça por aí um dia destes um novo volume, o VI e depois o VII e por aí fora, do Teatro Completo, que por golpe de magia o Jaime faça aparecer aí umas novas peças que estará, neste momento, sobre uma nuvem ou sabe-se lá onde, talvez na paragem de Godot, a escrever.
Este volume tem, como os outros, a organização de Sebastiana Fadda e a qualidade do seu trabalho.
As peças têm o habitual e requintado sabor: um sabor sempre novo a pensamento inteligente e criativo, dorido, sensível, perplexo como o de um eterno menino perante um mundo permanentemente incompreensível. Sabem a lucidez e inocência. São muito iluminadas, iluminam um palco na nossa imaginação, transportam-se para lá e representam-se, mesmo sem actores.
A última peça deste volume chama-se A Cavalgada. Um texto brevíssimo, belíssimo e comovente que escreveu sobre a morte. Pedira-me, como outras vezes fizera, um texto de introdução, um prefácio, um comentário, como chamar àquilo que antecede uma peça do Jaime? As peças dele são tão eloquentes que dispensariam textos complementares, mas ele adorava que os tivessem e reclamava-os dos seus amigos e parceiros de criação: escritores, actores, encenadores, estudiosos, sei lá.
Esta fora lida num encontro de escritores lusófonos onde estivéramos os dois, na Malaposta. Ele lera a peça com a Raquel. Mais curta que as mais curtas peças, catorze linhas. Foi muito tocante ouvir este texto. Mais tarde pediu-me para escrever sobre ele. E eu escrevi um texto em forma de peça de teatro a que chamei “poema”, em alusão à poesia das peças dele. O meu texto tentou ser curto, mas o mais curto que consegui foi o dobro do tamanho do texto dele. Encontro-o agora juntamente com a peça do Jaime, que passou a designar-se por No Palco. Os dois textos formam agora uma unidade e têm por título A Cavalgada.
Foi para mim um choque ver a subtileza e elegância com que ele corrigiu (e só agora me dou conta) um equívoco que ocorrera entre nós há uns anos atrás: O Jaime desafiara-me para escrevermos uma peça em conjunto e assim andávamos a fazer quando um dia por um assunto que já não tem importância nenhuma me zanguei, fiz uma birra de adolescente e disse que não escrevia mais. Que teimosamente mantive. Foi um episódio triste numa amizade, que depois ultrapassámos. Hoje, com este gesto do Jaime, posso dizer: totalmente. Mérito dele.
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