2011-01-12



Risoleta C Pinto Pedro


O SILÊNCIO

Às vezes sento-me num banco de silêncio que tenho em mim . O silêncio é um lugar sustentado por todos os sons. Começo por ouvi-lo, e depois surgem estranhamente longínquos, estranhamente próximos, os mais antigos sons. Cães que me ladraram em pequena, a voz da mãe tão longe e tão perto, um carro, um motor ao virar da esquina, o desejado, o sino de alegria e também o de tristeza, vozes em sussurro no quarto ou na cozinha para eu não ouvir, uma criança a chorar de abandono ou de raiva, um suspiro de alívio, um cântico de trabalho, o ritmo da cigarra no meio do calor, cantos de ciganos, passos anónimos na rua, e depois dos passos, e depois de todos esses conhecidos e por vezes saudosos e às vezes temidos sons, fica uma vibração suspensa não sei de onde, mais antiga do que eu, um som que poderia ser o reflexo sonoro de toda a criação eléctrica do mundo, ou a desejada música das esferas, ou ainda, quem sabe, a silenciosa movimentação sináptica de todas as células do meu cérebro. É uma vibração altíssima, numa oitava muito aguda e num registo que nenhum sopro conseguiria reproduzir, contudo existe, tão ruidosa quanto silenciosa dentro do meu ser. O seu condutor é o silêncio e o receptor não são os meus ouvidos, mas um órgão que existe em mim e eu não conheço, mas que capta o mais subtil som do Universo. Sem rádio ou outro aparelho que a técnica tenha criado, assim me crio neste Solstício ou Inverno, como receptora universal do som primordial último, interno e eterno.

risoletacpintopedro@gmail.com

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