2010-10-06



Risoleta C Pinto Pedro


O Príncipe sem Orelhas de Burro

Quase toda a gente da minha geração conhece a história, mas dá-lhe um título diferente: O Príncipe com Orelhas de Burro.

Eu acho que o título está mal posto. Passo a explicar, ou melhor, a resumir para quem não conhece a história, uma das muitas histórias tradicionais da minha infância.

Um príncipe nasce em berço de ouro, como se espera de um príncipe. Três fadas são convidadas para o baptizado. A primeira fada-o com beleza, a segunda com inteligência e a terceira fada-o para que lhe nasçam umas orelhas de burro, o que vem a acontecer; as três profecias concretizam-se e para desgosto e vergonha dos pais, com a beleza e a inteligência crescem-lhe as orelhas, o que obriga a que o príncipe tenha de usar sempre um barrete a escondê-las. Quando chega a idade de fazer a barba, é chamado o barbeiro, que tem um choque ao confrontar-se com a realidade do príncipe. Ameaçado pelo rei de que o mandará matar se revelar o segredo, mas sendo um tagarela e custando-lhe cada vez mais o silêncio, é aconselhado a ir até ao canavial, fazer um buraco no chão e gritar o seu segredo lá para dentro, o que faz. Um dia passou um rapaz pelo canavial, cortou uma cana com que fez uma flauta e quando entrou na vila a tocar a sua flauta, a música que esta produzia repetia: “O Príncipe tem orelhas de burro”. Tornada pública a verdade, mais nenhuma razão havia para manter o segredo, pelo que o príncipe resolveu arrancar publicamente o barrete e assim revelar… umas orelhas perfeitíssimas e pequenas. As orelhas de burro tinham desaparecido.

Esta história, de uma imensa simplicidade e profunda sabedoria, mostra, por um lado, que a maldição da terceira fada era, afinal, uma bênção com que poupou o príncipe da arrogância, mostra como é difícil o silêncio, como é importante poder partilhar um segredo ainda que o confidente seja apenas um buraco, demonstra também que toda a verdade acaba por ser revelada e ainda que na verdade o príncipe não tinha orelhas de burro, isto é, nenhuma culpa. O que fora escondido como uma vergonha era, afinal, uma ficção, e o príncipe era perfeito e inocente como nascera. Como nós, perfeitos e inocentes escondendo ilusórias orelhas de burro que alguém nos disse que teríamos, que nós nos convencemos que seria verdade, mas que um dia, retirado o véu da ilusão, se revelam inexistentes, e nós inocentes e perfeitos como nascemos. Todos. Sem excepção.



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