2010-09-22



Risoleta C Pinto Pedro


AVENTURA

Começa finalmente a avistar-se o aeroporto, a ansiedade vai sendo substituída pela antecipação do alívio. Afinal talvez seja possível sair daquele inferno. Ela e o colega olham-se, procurando, no olhar do outro, a confirmação de que não se trata apenas da continuação do pesadelo que viveram nos últimos meses. O motorista continua em silêncio e o “amigo” sentado ao lado dele não se atreve a olhá-los ou a pronunciar qualquer palavra especial que os tranquilize. Foram breves e furtivas as palavras com que, ainda no “inferno”, rapidamente lhes explicou que iam ser libertados, mas que, acima de tudo, procurassem não chamar as atenções e envergassem com a maior naturalidade a roupa que nervosamente lhes estendia. Assim fizeram, tremulamente, procurando disfarçar a fraqueza e os nervos, não sabiam se era verdade ou uma nova maquinação, mas não tinham nada a perder, perdidos já estavam. Por outro lado, o homem tinha um olhar leal em que apetecia confiar, e falava a língua deles. Para além disso, no rápido aperto de mão que lhes deu, transmitiu-lhes alguns sinais de reconhecimento que de alguma forma os tranquilizaram. Agora iam ali na parte de trás daquele jipe, com o seu salvador e o motorista, silenciosos durante todo o longo percurso. Silenciosos eles também, quase não se atrevendo a respirar. Agora começava a avistar-se o aeroporto que eles bem conheciam, porque ali tinham aterrado para vir ao encontro do que na altura ainda desconheciam. Traziam o entusiasmo da aventura, a emoção de um trabalho que embora comportando um relativo risco os entusiasmava, e antecipavam já a reportagem publicada revelando ao mundo o que ali se passava. Seriam heróis.

Poucos dias depois estavam de mãos e pés atados num antro pior que uma masmorra e a perspectiva de um dia saírem dali ia diminuindo de dia para dia, de semana para semana, de mês para mês. Mas agora avistavam o aeroporto, começava a ganhar consistência a esperança de salvação, já estavam fora do jipe, dentro do aeroporto despediram-se contida e discretamente do seu salvador, o motorista não entrara nem sequer se despedira deles com o olhar, assim como não os olhara nunca durante todo o percurso, como se quisesse esquecer que um dia os transportara. Faziam o check-in das duas estranhas mochilas quase vazias que lhes foram dadas apenas para não chamar as atenções. Já subiam para o avião misturados com os outros passageiros, as simpáticas hospedeiras recebiam-nos com um sorriso igual ao que ostentavam para todos os outros, como se eles não fossem passageiros diferentes, e já estavam sentados e colocavam os cintos e o avião levantava voo em direcção a… Palma de Maiorca!

- Achas que nos seguem?

- Estás a ficar paranóica?

- Não, é uma estratégia.

- Como?!

- Para não ter medo de andar de avião, imagino que somos refugiados, que estávamos numa prisão de alto risco e que este avião vai salvar-nos e levar-nos para casa ou para lugar seguro. Assim, o avião aparece-me como um alívio e não como um perigo.

O companheiro olhava-a boquiaberto, pois ignorava que até ali fora personagem de uma história de rapto e libertação. Quando contou ao resto do grupo de amigos ali sentados nos lugares próximos, daquele avião com destino a Las Palmas onde iam passar férias, ecoou uma gargalhada geral.

Quanto a Helena, limitou-se a pedir um Martini e olhou com alívio pela janela, tentando ainda vislumbrar o jipe que os salvara. Mas apenas conseguiu vislumbrar o carro da mãe, que se dirigia ao aeroporto de Lisboa já levemente atrasada, porque o avião proveniente de Las Palmas estava quase a aterrar e ela ainda tinha de estacionar e dirigir-se à porta por onde sairia a filha e os amigos regressados de férias. Felizmente as bagagens que tinham levado consigo eram tantas e tão pesadas, que ainda teria o tempo suficiente para estacionar, e receber com um sorriso de boas vindas o alívio do conhecido pânico da filha em relação aos aviões.



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