2010-04-21



Risoleta C Pinto Pedro


JAI PUR, JAI SINGH (luz, sombra)

Porto, um improvável dia frio de Abril, dia das mentiras, Abril mente querendo convencer-nos que é Inverno. Não é. É apenas a passageira sombra da Primavera.

O Porto é uma belíssima cidade de arte. Arte na arquitectura, nos museus, nas galerias, no comércio tradicional, onde ainda é um prazer entrar.

Mas outros caminhos me chamam, desta vez a Serralves: a exposição “À Luz da Sombra”, de Lourdes de Castro e Manuel Zimbro. Este último já partiu, mas tive o privilégio de escrever anteriormente sobre um trabalho seu: “História da Aviação”, aqui integrado nesta exposição.

A exposição é vasta e diversa, não é possível falar dela, apenas deixar que o olhar sensível em mim exponha (ou tente) por palavras, o que foi sentindo, que recorde, que evoque, que reelabore em mim.

No centro, não da exposição, mas da memória, um recipiente em vidro transparente contendo as cores. Lá dentro comprimem-se pontas enroladas, sobras de fios que uma bordadeira foi guardando, para não sujar o espaço. Lourdes de Castro, sempre atenta a toda a sombra residual da luz, criou uma espécie de acelerador de partículas onde as comprimiu até atingirem velocidade atómica. Ilusoriamente os fios parecem parados, mas que sabemos nós sobre a vida dos fios dentro de um acelerador? Que sabemos nós sobre as so(m)bras dos bordados?

Recordo ainda sombras em lençóis, limitadas com bordado de um minúsculo, minucioso ponto. Muitos lençóis brancos, um verde, um preto.

A obsessão da sombra é a obsessão da luz. Sigamos este percurso do conhecimento da luz através da sombra. Ou será o contrário? Não importa. O caminho (o destino?) é o mesmo.

O “teatro de sombras” faz-me repensar a sombra, essa apagada protagonista. O que és tu, so(m)bra minha? Persona ou cenário?

É neste momento que chego aos torrões de terra, esses magníficos desenhos de Manuel Zimbro, que à sua obra, entretanto, se juntou. Desenho ou premonição? Ou salvação? Porque tão perto da “História da Aviação”, as sementes, essas incansáveis fecundadoras, agigantam-se, esculturam-se, tornadas por ele aves, naves.“Aerotorrões”, subtraem à terra a matéria e assim criam a nova encarnação: do pó ao pó, passando por breve voo planado. Planeado.

Houve uma imagem que nesta exposição me tocou particularmente: num perfil de sombras uma mulher segura o que pode ser um objecto circular, logo, que eu vi como um sol, portanto, uma mulher segura numa das mãos um sol de entardecer. O sol tem uma pega e a chávena que ela leva à boca contendo, presumo, sol líquido, também. É isto o que mais me maravilha nesta imagem; chamar-lhe-ia eu Sombra, chávena e sol com pega. Ignoraria, quer a cadeira, quer as flores. E no entanto elas lá estão. Deixo-as para outros. É demasiado vasta esta imagem, para o meu restrito olhar.

Uma montanha de pétalas de gerânios é atravessada pela luz e cria sombra.

Será a sombra o rosto ou os passos do sol?

A sombra e a luz dão o nome a esta exposição dos dois artistas e nunca um título foi tão verdadeiro.

Recordo o herbário de Lourdes de Castro, para cuja criação convocou o sol, esse grande mestre, pintor, pincel e olhar.

Controlo o impulso para descrever o que vi de ponta a ponta. Iniciei esta “impressão” com as pontas dos fios, encerro-a atando as pontas das imagens que me bordam a memória. Faço-o com fios de cor, digo, de luz.



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