Risoleta C Pinto Pedro
A angústia da página escrita
Existem angústias para todos os gostos. Como somos nós que as criamos, não queremos que nos falte nenhuma.
Relativamente aos criadores, há de tudo. Aqueles para quem o prazo de entrega é a mais estimulante musa, há aqueles que perante uma página em branco sofrem como perante um buraco negro… e existo eu, que tenho também a minha angústia privativa,
também quero que não me falte nada…,
e perante a página em branco sinto uma espécie de claustrofobia em nome das inumeráveis histórias que tenho para lá colocar. Por enquanto não saberia escrever haikus, esses poemas que nos enchem de um consistente vazio e da folha apenas retiram o branco.
Vinha eu pela rua acima a pensar na crónica que precisava escrever, e pelo caminho desta pequena rua que, com excepção da rua da Betesga, talvez seja uma das mais pequenas de Lisboa, já tinha matéria para quatro ou cinco. Isto não constituiria um problema se eu tivesse sete vidas como dizem que têm os gatos, porque quanto ao papel já não tenho preocupações, não só nunca me angustiou a página em branco,
a página em branco põe a minha imaginação a salivar como alguém que tem mais olhos do que barriga, digo, tempo,
como as minhas crónicas já nem passam por páginas, mas por um espaço virtual onde a maioria nunca chega a ter vida material.
A vista do rio ofereceu-me logo uma história com os seus dois pequenos
ou longínquos?
barcos.
A própria reflexão acerca da associação que nós, humanos, fazemos entre a dimensão e a distância, como se ainda não conhecêssemos a perspectiva, transportou-me até aos pássaros e ao seu provável olhar sobre o mundo e sobre nós. E às estrelas. Como nos verão pássaros e estrelas?
Mas isso fica para outra história, assim como as outras que se seguiram, culminando a minha subida da calçada e a minha desaustinada especulação literária com um pequeno anúncio já mesmo aqui à porta, no limpa pára-brisas do meu carro, que me apressei a retirar com algum temor de que se tratasse de uma multa. Não era.
Tratava-se de informação sobre o mestre Tamanaqualquercoisa, astrólogo, espiritualista e curandeiro, com muitos anos de experiência e que encontra soluções para todos os tipos de problemas. Procurei na listra dos problemas a excluir das vidas dos que o consultarem, o meu próprio problema, enfim, pelo menos o que me vinha a ocupar a mente, e não estava lá. Porque não se trata de amor, nem de saúde, ou dinheiro, álcool, toxicodependência, solidão, nem insucesso escolar. Mesmo a angústia não acolhe o meu problema. Não chega a ser angústia, esta espécie de claustrofobia da página demasiado cheia. Sou um caso perdido. Ou então não sou eu, mas o mundo que criei. Demasiado cheio. Preciso de fazer uma limpeza no meu mundo. Procurei nos limpa pára-brisas algum anúncio de empresa especializada em limpeza ou despejo de mundos, mas não havia nada. Desconfio que terei de ser eu a fazê-lo.
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