Risoleta C Pinto Pedro
Tempo para chorar
Recém-regressada de umas pequenas férias, entusiasmada com a “artificial rentrée”, Helena faz uma agenda minuciosa para os dias. Esta inclui, para espanto meu, tempo para … chorar! Das 8.45 às 9.00. Até eu, que já estou acostumada às suas idiossincrasias, me espanto.
- Helena!
- E depois? Não conheces o Diário de um amnésico, do Erik Satie?
Eu conhecia, mas não entendia exactamente a que aspecto se referia.
-Àquela parte em que ele faz o horário do seu dia enquanto músico, ao pormenor dos minutos. Puro nonsense.
- E tu?
- E eu?
- Sim, também estás a fazer humor?
- Nem pensar, isto é mesmo muito sério.
- Chorar… durante um quarto de hora? Com hora marcada?!
- Até pode ser que não…
- Como…?
- Até pode ser que não me apeteça, mas pelo menos…
- Pelo menos…?
- Pelo menos tenho abertura, tempo, possibilidade, espaço.
- Para…
- Para chorar.
- Com hora marcada?
- Com hora permitida.
- Cada vez melhor… quem permite?
- Eu. Permito-me. A mim.
- Alguém te proíbe?
- Proibia. Eu. A mim.
- Porquê?
- Não tinha tempo. Chorar é uma coisa que não serve para nada, não tem utilidade imediata ou aparente. Tinha coisas mais importantes para fazer.
- E se não…
- … me apetecer?
- Por exemplo…
- Nesse caso, faço o que me apetecer.
- Então… para quê marcares no calendário que esses quinze minutos são para chorar?
- Para não ser preciso chorar.
- Helena!!!
- Eu explico. Quando não tinha tempo para chorar isso era motivo para uma imensa vontade de chorar. Agora que já me permito ter tempo, posso usá-lo para fazer o que quiser, que até pode ser rir. Ou chorar. Ou para não fazer nada. Que é a coisa mais difícil para nós, europeus civilizados e cheios de culpa por tudo o que não fazemos. Até já marquei no meu calendário um tempo para não fazer nada.
- Que é…?
- Cinco minutos antes e cinco minutos depois do tempo para chorar.
- E já vai quase em meia hora o tempo do disparate.
- Muito menos tempo do que aquele que tu vais gastar a pensar nisto, a irritares-te comigo e a rogares-me pragas. Mais vale chorares um bocadinho e verás como ficas aliviada.
Fico sempre espantada com os dons de Helena. Como é que adivinhou que a minha irritação é apenas uma forma de… tristeza?
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