2009-10-28


Risoleta C Pinto Pedro


A MULHER E O INSTINTO



(Homenagem a uma mulher desconhecida)

Fala-me Helena sobre mulheres célebres afogadas em magma de autodestruição. Marilyn, Janis Joplin, Piaff, tantas outras. Mulheres que aparentemente se libertaram das amarras e no entanto…

Fala-me da longa mas urgente aprendizagem das mulheres sobre como fazer o seu próprio caminho sem se deixarem intimidar pelos julgamentos, críticas, censuras, troças. Sem amordaçarem o que têm de mais verdadeiro dentro de si: a alma. Quando as mulheres se deixam hipotecar durante algum período, fica a fome. De si mesmas.

Diz-me Helena, que afinal, estava a falar de si:

- Durante tanto tempo estive tão cansada de mim…

- De ti?! Como é isso possível? Vais ter de viver contigo até ao fim da vida…

- Depois soube que o meu cansaço me vinha, não de ser eu, mas de não ser eu…

- Ah, isso já é outra conversa.

- Essas outras, as que sucumbiram, não morreram da fome, morreram do excesso. É sempre muito perigoso uma mulher que sofre da privação de si, porque pode mergulhar depois numa vertigem de sensações, sejam elas quais forem e passar de uma desgraça a outra deixando-se a si mesma lá para trás.

- E quem é essa “si mesma”?

- A única real. A menina cheia de aspirações e esperanças de criar, de ser feliz, de ter uma vida cheia de emoção e ao mesmo tempo tranquilidade, de brincar e descansar e ser útil e dançar e ter tempo e rir e chorar quando é preciso, e … ser livre.

Neste momento Helena esqueceu-se de mim:

Às vezes o muro é o silêncio
Outras a ironia
Outras ainda a censura
a acusação
de não seres:
Suficientemente forte
Suficientemente feminina
segundo os cânones
por te pintares de mais
ou de menos
por não seres
Suficientemente corajosa
Suficientemente perfeita
Suficientemente humilde
Suficientemente determinada
Suficientemente crítica
Suficientemente esperta
Suficientemente inteligente
Suficientemente informada
Suficientemente discreta
Suficientemente eficiente
Suficientemente insuficiente
Por seres frágil
Por seres demasiado forte
Por falares muito
Por falares pouco
Por perceberes
Por não perceberes
Por sentires ou não sentires
Por dizeres ou por calares
Por respirares.

Às vezes, a censura ou a troça ou o silêncio é por tu Seres.

Ficas então contigo inteira na mão.

Ou te matas ou te indignas ou te corriges.

Ou…

Foge, foge, rapariga, para o país onde sejas tu a criar as tuas próprias leis que te protejam de tudo o que te fizer mal, de tudo o que te empanturrar, de tudo o que te privar, de tudo o que te fizer entrar em sapatos apertados, em espartilhos sem ar.

- Onde é esse país, Helena?

- Esse país é… aqui!

- Ah, que alívio, por momentos pensei que ias emigrar.

- Também podia, mas não vale a pena ir para longe. Onde eu estiver, livre do medo do julgamento do outro por muito amado que seja, é esse o meu país, o meu Eden.



risoletapedro@netcabo.pt
http://aluzdascasas.blogspot.com/



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