2009-09-09


Risoleta C Pinto Pedro


Reflexões em torno do Paraíso I



Estavam várias mulheres e falavam entre si, sobre si. Eu ouvia. E processava. Cheia de vontade de participar, mas a conversa, sendo comigo, não era comigo. O tema dizia aparentemente respeito às mulheres (era sobre a questão do feminino no mundo), mas é claro que tudo o que tem a ver com as mulheres tem a ver também com os homens. Porque são nossos filhos, nossos pais, nossos irmãos, esposos, companheiros, amigos, parceiros, colegas. E vivemos todos no mesmo mundo, enquanto mundo houver. Já uma vez a mulher se expulsou do Paraíso. Da segunda vez foi expulsa juntamente com o homem. (Eu sei que a história que se conta não é bem assim, mas há por aí muitas histórias muito mal contadas.) Seja como for, não queiramos repetir o que já deu (vê-se) mau resultado. É claro que estamos a falar de mitos, mas é sempre de símbolos e mitos, digo, da alma da humanidade, que vale a pena falar. Desde que teve início, na História, a repressão do feminino, os homens sofreram tanto com isso como nós. E cada vez mais. As coisas, se não estão fáceis para nós, muito menos o estão para eles. Num tempo em que os valores a repor são os do fluir, do saber receber, do criar e da coragem de assumir a vulnerabilidade (sem vulnerabilidade não há transformação), não nos é difícil a nós (excepto para as mulheres que se convenceram que serem livres, bem sucedidas e reconhecidas era imitarem os homens), são valores que, embora possam ter estado muito tempo adormecidos, continuam a ser a essência da nossa natureza e estão “cá”. Qualidades que precisamos de trazer ao de cima, assumidas sem vergonha, para o “despertar”. Há uma eternidade que somos “belas adormecidas”, já é tempo de acordarmos. Como somos: vulneráveis, criativas, receptivas, fluindo no mundo. De preferência a dançar. Ou a representar. Ou a cantar. Ou a cozinhar. Ou a bordar. Ou a dirigir. Ou a liderar. Ou a ensinar. Ou a governar. Segundo a nossa sensibilidade. Chega de histórias de dinossauros. É necessário não termos medo de fazer essas coisas todas, mesmo que nos sintamos ainda diminuídas, desvalorizadas. É preciso darmo-nos autorização para nos sentirmos pequenas a fim de podermos receber a grandeza. E fazermos perguntas. Mesmo que não tenhamos respostas, mesmo assim, é preciso fazê-las.

Elas diziam estas coisas e eu encontrava eco das palavras dentro de mim. Alguém em mim o sabia já há muito tempo. Fez (faz) parte da repressão do feminino no mundo, o deixar de sentir. Os homens têm evitado “sentir-se” e nós começámos a imitá-los. Paradoxalmente, quando começou a dar-se a nossa “emancipação”. Mas também isso foi necessário. E está-se sempre a tempo. É preciso que as mães e (sobretudo) os pais (para recuperarem, para recuperarmos o paraíso perdido) comecem a ensinar (sobretudo pelo exemplo) aos seus filhos, aos seus alunos, aos seus amigos, aos seus pais, que os homens choram, que os homens sentem, que os homens podem possuir qualidades até aqui consideradas femininas, que podem mostrar-se vulneráveis sem que deixem de ser homens e de permanecer (tornarem-se) aos nossos olhos (ainda mais) encantadores.

É claro que teremos de ser as primeiras a valorizar estes valores dos quais permanecemos como sendo as guardiãs, durante milénios. Escondemo-los, para que sobrevivessem. E nós com eles. Assim nos convencemos. Mas chegou o tempo de não mais ocultar o que deve ser iluminado. As mulheres não são vítimas dos homens, embora assim pareça.

Estamos a privar-nos e a privá-los de uma parte do Paraíso. Que está em nós.

Todos sabemos muito bem o que não resulta, mas é uma coisa que já conhecemos todos, dá-nos uma aparente segurança e tranquilidade lidar com o conhecido, mesmo que seja uma coisa de abominar. Não vai ser fácil, sobretudo para eles, este novo estilo de se ser humano, são sempre difíceis, estes saltos quânticos. Mas não temos alternativa. E agora, a bola está do nosso lado. É preciso ajudar os homens a reinventar o masculino, a encontrar uma nova masculinidade sem que se sintam perdidos. Também eles têm medo. Apenas ainda acreditam que não é seguro mostrá-lo.



risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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