Risoleta C Pinto Pedro
Para lá do amargo ou a homeopatia do sonho
Comer limão nos sonhos é ingerir o sol. É morder o amargo da via que conduz ao doce que conduz ao amargo que conduz ao doce…
Comer limão nos sonhos é comer a cor, o cheiro, a textura, o saber e o sabor.
Se o limão saltar directamente da laranjeira (sim, da laranjeira, não é engano) para a tua boca podes estar certo que o Grande Jardineiro fez para ti um enxerto mágico que o teu fígado, digo, a raiva, digo o amor em ti, agradecerá.
Comer um limão nos sonhos é passar para lá do amargo e do prazer, é ingerir a semente, a única que não mente porque tem em si toda a dupla, a múltipla, a infinita possibilidade e toda a criação.
Se esse limão te for oferecido através de uma janela aberta é certo que não terás de te cansar muito para obter o símbolo. E o sentido.
Se esse limão continuar a cintilar em ti através de uma recordação, uma esperança ou uma realização, significa que o limão era de ouro alquímico e nunca nada nem ninguém to poderá tirar.
Comer um limão num sonho é renovar as entranhas com o guarda-roupa da Primavera, é perfumares-te por dentro, é tomares um banho de ouro puro mais puro que ouro puro, é seres tu o limão, o limoeiro, a laranjeira e todos os jardins árabes (ou alentejanos) do mundo.
Comer um limão nos sonhos é limpar toda a sujidade do mundo no único laboratório que existe: o corpo de cada um de nós. É acelerar à velocidade de um CERN todos os protões e portões das hortas da infância e descobrir que afinal o céu nunca nos abandonou, que sempre estivemos lá e que a memória da felicidade pode ser activada tão simplesmente como comendo um limão num sonho. Ou num jardim.
risoletapedro@netcabo.pt
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