Risoleta C Pinto Pedro
Da natureza:
Quando me foi pedido um conto sobre a natureza para uma colectânea de vários autores, foi para mim claro que depois de tantas voltas dadas pela Terra desde que nasci, desde que a Terra nasceu para mim, não poderia escrever sobre um canteiro de jardim, a não ser que esse canteiro fosse todo o planeta e o jardim todo o Universo. Escrevi este conto como um pedido de socorro às estrelas.
Imaginei jardineiros, muitos jardineiros cintilantes espalhados pelo espaço a dirigirem-se nas suas naves espaciais, para aqui. Deixando o seu destino de estrelas para aprenderem a conhecer a terra, o adubo e as sementes. Imaginei que eu própria poderia ser um desses jardineiros. Assim se explica que todos os dias espere estaticamente o sol, que todas as noites espreite consoladamente a lua e as estrelas, como quem olha a casa, ao longe. Só isso explica a recordação dos primeiros olhares que deitei ao mundo: “mas isto é tudo tão estranho!”, pensava. E voltava-me para a terra, onde estavam as minhocas e as formigas, ou para o céu, onde estão ainda as estrelas e a lua.
Desapareceram as minhocas e as formigas, tenho de fazer grandes caminhadas para as encontrar. Havia ainda umas estrelas mais próximas a que chamavam pirilampos, de vidas dramaticamente breves. E inapreensíveis. Agarrar um, era a morte do artista. Do pirilampo. Passei a correr atrás deles, o que não parecia afectá-los.
Hoje encontro vários outros seres, sobretudo crianças, mas também alguns adultos, cada vez mais, que desconfio serem também desses jardineiros. Não conheço a sua associação secreta, mas juraria que têm uma. Espero também que um dia me reconheçam como tal e me deixem entrar. Tenho saudades das minhocas e das formigas. E da sensação da minha barriga deitada na frescura terra a observá-las, o sol nas costas, e entre fresco e calor, uma alma confortável, esquecida do desterro, feliz como se fosse, realmente, daqui.
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