Risoleta C Pinto Pedro
SOBRE A FELICIDADE
Dizia-se num programa sobre um estudo a propósito da felicidade, que algumas pessoas passaram a ser mais felizes e a encontrar um sentido para a vida depois de terem perdido bens, pessoas, e até a integridade do seu próprio corpo.
O estudo também mostrava que quando as pessoas estão totalmente entregues a uma actividade de que gostam, seja ela criativa, como tocar, escrever ou pintar, seja desportiva (sem preocupações de competição), seja rotineira, como encher forminhas de bolos (era o exemplo dado), sentem-se muito mais felizes e por vezes até acontece a cura de certas doenças.
Segundo estudos referidos por uma médica que li, não há nada mais curador que a actividade criativa que faz sentido para o próprio (não a que faz sentido para o outro. Toas as actividades criativas fazem sentido, mas se não o fazem para nós, não são criativas para nós, mas reprodutivas). Por isso estamos “condenados” a procurar o que nos faz feliz. Pensávamos que não havia felicidade neste mundo até o descobrirmos.
Eu, que não sofro de tédio, mas tenho muita consciência da passagem do tempo, umas vezes lento, outras vezes rápido, mas numa sintonia perfeita com o tempo dos relógios, perco totalmente a noção dele quando escrevo, por exemplo. Já aconteceu passarem-se dez horas sem o mínimo sinal de cansaço físico ou psicológico, fome ou qualquer tipo de desconforto. Por onde andei eu? Não faço ideia, mas o ecran do meu PC ficou cheio de pequenas letras que, para além das minhas mãos, não sei quem lá as pôs. É esse o momento em que me leio, e depois de o fazer não só não deito fora como sinto necessidade de agradecer à musa invisível que não conheço, seja ela Tágide, inspiração, momento, Hermes, ou vida. Seja como for, é sempre um mensageiro de paz, bem-estar e felicidade, por mais terrível que seja o que escrevi. Como se limpasse as feridas do mundo. Que são sempre as nossas, nem vale a pena pormo-nos de fora, porque não existe fora.
Há pessoas que têm um talento especial para encontrar motivos de felicidade, outras, uma dificuldade atávica.
Existe um quarto no Largo do Carmo que dá directamente para o convento de mesmo nome, está no passeio do lado oposto, é o primeiro nadar do número 18. Dessa varanda vê-se o céu através da alta janela do convento que dá directamente para o azul do vazio. Ali naquele quarto, Pessoa sofreu de alguma solidão, mas quando olhava o azul céu através da janela do convento em frente, era como se visse o mar e ficava feliz.
Eu facilmente me contento com a minha matinal fatia de Tejo, e nele tenho o Tejo todo e todos os rios do mundo (um bocado ao jeito do excesso de Campos), e no Alentejo interior que me é berço, sempre vi um longo e calmo mar, o único mar que igualmente me fascina e não me faz medo.
Não é difícil ser feliz, mas é muito, muito difícil querer realmente (não digo vagamente, todos sentem um vago desejo…) sê-lo. É muito mais simples do que se deseja e também aqui, menos é mais. Uma fatia de rio pode conter uma dose muito mais concentrada de felicidade, ou mesmo uma potência homeopática ou atómica de felicidade que um rio inteiro, pela dispersão, dificilmente terá.
Outro factor de cura citado no estudo que vi, era o sentimento de gratidão. Quando perante a fatia de rio ou de qualquer outra coisa se fica espontânea e naturalmente grato, algo se passa ao nível do sistema imunitário que transforma, com mais eficácia que o antibiótico mais forte., porque, ao contrário do antibiótico, é a favor da vida. Aqui está um dos imensos e tão simples mistérios do mundo.
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