Risoleta C Pinto Pedro
A MINHA GALERIA DE ARTE
Na minha infância havia um sítio onde ia com alguma frequência com a minha mãe, que era um misto de atelier/galeria de uma pintora. Recordo vagamente as pinturas, mas o que me ficou na memória foi uma estética de tipo naturalista: retratos, natureza, naturezas mortas. A arte contemporânea só mais tarde entrou na minha vida.
Tenho ideia de que o que me impressionava acima de tudo era a quantidade de quadros e não propriamente as obras, embora tenha guardado até hoje a imagem de uma mulher austera que me intimidava um pouco, mas que tanto pode ser um retrato que lá tivesse visto, como a própria pintora.
Mas o meu verdadeiro contacto com a arte, a emoção estética, deu-se noutros lugares: perante a parede de um quarto a necessitar pintura, as nuvens no céu, a natureza ela mesma imitadora de quadros naturalistas. Perante certas imagens eu ficava soterrada por uma avalanche de admiração.
Recordo-o com toda a nitidez, porque hoje permaneço igual. A aleatória e sugestiva abstracção de uma parede mal pintada pode transportar-me até mundos comuns àqueles que visito através dos quadros de uma exposição.
Por isso adiro sem dificuldade a experiências nem sempre compreendidas, nem sempre apreciadas, hoje mais aceites, mas ainda um pouco contestadas, de telas pintadas de uma única cor. Independentemente da conceptualização e da experiência estética que lhes está por detrás, o que eu vejo ali é o mostrar daquilo que está na natureza e já não vemos.
Quando eu era pequenina e via aqueles quadros naturalistas, não ficava impressionada porque eu tinha muito melhor na natureza e estava atenta a ela. E via a minha arte abstracta no céu, nos muros, nas paredes. O meu mundo era (é) uma imensa galeria de arte e lá não entra(va) gente carrancuda, é(ra) uma festa de cor e imaginação.
As crianças são assim. Mas o que se passa com a maioria dos adultos é que o olhar olha mas já não vê, passa-se dias sem olhar o céu, sem ver os desenhos das nuvens, sem observar os movimentos dos girassóis, e quando as paredes começam a ficar manchadas, tapa-se tudo com tinta sem haver tempo para o deslumbramento com todas as personagens que ali estão a nascer, por isso é preciso que os pintores cubram as telas com uma única cor de tinta, ou sem cor, ou com o branco de todas as cores, assim conduzindo o nosso olhar para o céu, as nuvens, os insectos e as paredes solitárias da infância.
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